quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O triunfo de Santo Agostinho
(1664)
CLAUDIO COELLO


BALAIO PORRETA 1986
n° 2751
Natal, 13 de agosto de 2009

Senhor, na miséria desta vida, o meu coração, atingido pelas palavras da tua Sagrada Escritura, anda profundamente atormentado.
(Santo AGOSTINHO. Confissões, 397-98)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 13)

As Confissões de Santo Agostinho de Acari

E Santo Agostinho de Acari(¹) escreveu:

"Pequei contra o nosso povo: uma vez, durante 666 dias, reneguei o Seridó, assim como, na juventude, renegava o próprio Altíssimo e Nossa Senhora de Sant'Ana. Minha mãe, dona Mônica, e seus amigos Cascão e Cebolinha, de Cruzeta, tentaram me revelar o Caminho. Em vão. Mas foi a sacerdotiza Joana Araújo Gargalheira que soube me mostrar a Verdade. Foram suas palavras que me converteram a Cristo e ao seridoísmo. Foram suas palavras que me despertaram para a aventura do conhecimento e me fizeram compreender a profunda feminilidade em Maria Maria e Sheyla Madalenazevedo. E o que diziam suas palavras, carregadas de poesia e sertanejidade?"

"O nosso sertão é como um bicho danado que nasce das corredeiras dos rios temporários na sua ânsia de encharcar a terra toda de uma vez. Quem já viu um rio botar cheia sabe do que estou falando. Ao mesmo tempo que destroi as margens e carrega tudo pela frente, ele encharca de vida e de verde toda a paisagem. Assim os homens sertanejos. Fortes e calados. De poucas palavras e grandes gestos(²). O nosso sertão é a quintessência da religiosidade. A nossa religiosidade é um açude pegando água até transbordar em sangrias sagradas".

"Aprendi de Ti, meu Deus, a discernir entre a dádiva e o fruto(³). Entre o Seridó e o não-Seridó. Entre o sertão que vai virar mar e o mar que vai virar sertão. Entre o pecado e o não-pecado. Entre o cheiro da terra molhada pelas primeiras chuvas do inverno e o cheiro da terra seca por uma longa estiagem. Entre o com-terra e com-teto e o sem-terra e sem-teto. Entre o justo e o injusto. Entre a coalhada com rapadura e a coalhada com acúcar branco. Abençoados são os frutos da terra. Abeçoados são os que sabem amar e respeitar as diferenças, quer sociais, quer religiosas, quer sexuais".

"Nós vemos todas as Tuas criaturas, oh Senhor Altíssimo, porque existem. Elas existem porque Tu as vês(ª¹). E se as vemos, é porque existimos. E se existimos, é porque Tu assim deseja. E se Tu assim deseja, é porque Tu existes. E se Tu existes, tudo é possível(ª²). E se tudo é possível, grande é o poder da memória, como se fosse um santuário imenso, ilimitado. Quem poderá atingir-lhe a profundeza?(ª³) E se a terra é azul, o sonho é vermelho. Acreditar é preciso; viver é sonhar. Feliz aquele que ama o Seridó e as demais nações, sejam amigas, sjam inimigas. Feliz aquele que sabe amar em profundidade".

"O tempo não para nem passa em vão pelos nossos sentimentos, mas atua sobre o nosso espírito de modo surpreendente(ªª¹). Nessa floresta imensa de palavras e sentimentos, saberemos vislumbrar que, no futuro, uma grande cidade por São Paulo conhecida, com seu materialismo, não poderá parar, assim como não podem parar, desde sempre, com sua espiritualidade, as cidades seridoenses. Para nós, o tempo não para. E o meu coração não cessará por tudo aquilo que não consigo exprimir em palavras(ªª²)".

"Os crepúsculos barrocos do Seridó são mais renascentistas(ªª³). As águas azuis do meu sertão são mais verdejantes. Será que existe algo mais sagrado do que uma sangria de açude? Será que existe um templo mais sagrado do que o templo do ser amado, onde depositamos nossa energia e nossa fé na humanidade? As respostas estão no Altíssimo, com o Altíssimo e pelo Altíssimo. As próprias noções de literatura, física quântica e dialética que aprendi nos becos de Acari, orando para Nossa Senhora da Guia, são os frutos de minha adoração pelo Deus, cujo esplendor me ofuscou com sua beleza e seu conhecimento".

"Quem me fará descansar em Ti(ªªª¹), Senhor das Alturas? Uma jovem poeta de Acari? O Livro Sagrado? A beleza das serras que nos encantam? A vida e os ensinamentos do Senhor da Cruz? O banho de chuva, no inverno? As festas de Sant'Ana, em Caicó e Currais Novos? A Teoria da Relatividade? O cinema de Antonioni, Bresson, Dreyer e Rossellini?(ªªª²) As cartas de Paulo Balá? As epístolas paulinas? Na juventude, confesso, era para mim mais doce amar e ser amado, se eu pudesse gozar do corpo da pessoa amada(ªªª³). E agora? E agora? É a Ti, oh Deus, que devemos pedir, é em Ti que devemos buscar, é à Tua porta que devemos bater(ªªªª¹), pois mais fortes são os poderes do povo, da pessoa amada e do Senhor, meu Deus".

Capítulos finais:
14. E o Senhor das Alturas despertou
15. O Apocalipse

Notas:

(¹) Não confundir com Santo Agostinho, bispo de Hipona, nas terras estrangeiras d'além-mar. Algumas das considerações teológico-sertanejas da figura bíblica acariense seriam metacopiadas pelo bispo em pauta e aqui serão indicadas em itálico-samanauense.
(²) Há uma poeta de Acari, nascida no séc. XX da Era Comum, e que reside nas proximidades de Natal, por nome Jeanne Araújo, que, em suas Cartas Poéticas, retoma o estilo e a susbtância verbal e literária de sua ancestral seridoense.
(³) Confissões do bispo de Hipona, cf. XIII, 26, 41.
(ª¹) Confissões..., cf. XIII, 38, 53.
(ª²) Vide obra escrita séculos depois por conhecido escritor russo, por nome Fiodor Dostoiévski.
(ª³) Confissões..., cf. X, 8, 15.
(ªª¹) Confissões..., cf. IV, 8, 13.
(ªª²) Confissões..., cf. XII, 6, 6.
(ªª³) Para a teóloga Inês Motta, trata-se, aqui, de uma sofisticada metáfora simbólico-kantiana, de corte aritotélico com inspiração freudiana na antiga Rua do Serrote, em Queicuó.
(ªªª¹) Confissões..., cf. I, 5, 5.
(ªªª²) Citação de signficado obscuro, já que os criadores em tela ainda não existiam no tempo de Santo Agostinho de Acari.
(ªªª³) Confissões..., cf. III, 1,1.
(ªªªª¹) Confissões..., cf. XIII, 38, 53.

7 comentários:

nina rizzi disse...

o balaio é poderoso:
ai, que, ateia, já tou quase rezando...

Unknown disse...

Boa tarde Moacy!

Belíssima tela de Cláudio Coelho!

Se o Senhor das Alturas não despertasse com essa chuva de questionamentos de Agostinho, com certeza despertaria com a poética de Maria Maria .

Agora isso aqui:

(ªª³) Para a teóloga Inês Motta, trata-se, aqui, de uma sofisticada metáfora simbólico-kantiana, de corte aritotélico com inspiração freudiana na antiga Rua do Serrote, em Queicuó.

Realmente, Moa... é hilário!


Beijos

Mirse

Jens disse...

"Dai-me a castidade e a continência, mas não agora".

Um abraço.

Dora disse...

Essas "Confissões de Santo Agostinho de Acari" são a poesia em prosa para deleitar os próprios sertanejos mais empdernidos e rijos...Vão todos se converter e bater À Porta de Deus.
Eu aprendi, e não me esquecerei jamais, que há diferença essencial entre a coalhada com rapadura e a coalhada com açúcar branco... Fiquei de joelhos ante essas "confissões"...pelo prazer de uma escrita "escorreita" e bonita!
Abração!
Dora

Anônimo disse...

Quero só ver o Apocalipse!
Abraço
Marisete

Maria Maria disse...

Vivo pecando com esses textos! kkkkk
Muito bons!Filosofia, poesia e intimismo.

Beijos,

Maria Maria

Jeanne Araujo disse...

kkkkkk, meu querido, faltou a raspa do queijo de manteiga ainda quente, saindo do tacho pra boca. Amei...obrigada pela homenagem. bjos