terça-feira, 1 de setembro de 2009

Henri Cartier-Bresson
(1933)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2770
Rio, 1 de setembro de 2009

Hoje é dia de lançamento lítero-musical em Natal: Poemúsicas, cd de Dácio Galvão, no Budda Pub, em Ponta Negra (Av. Eng. Roberto Freire). A partir das 19h. Decerto, um grande lançamento. O cd traz poemas interpretados por nomes da envergadura de Naná Vasconcelos, Alceu Valença, Dominguinhos, Geraldo Azevedo, Zeca Baleiro, Walter Franco,
entre outros, entre outros.



Não é porque a noite se mostra negra

que esqueço o brilho das estrelas

esqueço o brilho das estrelas

porque a noite se mostra negra

Não é por não dispor chaminé

que desacredito em papai Noel

desacredito em papai Noel

por não dispor chaminé

Não é porque o Sol se enfada se deita

que anuncio novo dia

anuncio novo dia

porque o Sol se enfada se deita

Não é porque a lua se apresenta gueixa

que afago cometas e vaga-lumes

afago cometas e vaga-lumes

porque a lua se apresenta gueixa

Não é por essas e outras coisas

que amo esse mesmo outro homem...

amo esse mesmo outro homem

por essas e outras coisas...



SOLITÁRIO

Henrique Pimenta

- para henrique pimenta

Um homem solitário, diamante
no cofre guardadinho para nada.
Não brilha seus encantos para a amada,
cintila para dentro o seu desplante.

Um homem que é sozinho, sem amante,
amarga seu amor numa danada
vontade pela fêmea que é gamada
na gema de outra jóia cintilante.

O príncipe galante foi em vão
princípio filosófico de vário
tesouro virtuoso, mas, então...

Os contos são escritos ao contrário:
virá do diamante - o seu carvão;
da fosca solidão - o seu calvário.


ESPELHO

Beti Timm


Vejo-me semi-nua

Quase nua.


Vejo-me ansiosa

Quase frenética.


Vejo-me pura

Quase intacta.


Vejo-me pueril

Quase menina.


Vejo-me metade

Quase viés.


Vejo-me por dentro

Quase visceral.


Vejo-me ardente

Quase devassa.


Vejo-me casta

Quase um anjo.


Vejo-me revoando

Quase um pássaro.


Vejo-me em mil partículas

Quase invisíveis.


Vejo... uma menina

Ao lado de uma mulher.



QUEDA E ASCENSÃO DE UM TITÃ

Jens

[ in A Toca do Lobo ]

Meu associado Moah é um bon-vivant; um dândi. Apreciador das boas coisas da vida, ele flana com elegância pelas ruas deste Porto não muito alegre, mas mesmo assim encantador. Apesar da idade avançada, não se furta a vivenciar novas experiências. Foi este espírito desbravador que encontrei na hora do almoço de uma fria sexta-feira no centenário Bar Naval, no Mercado Público. Enquanto saboreávamos uma das especialidades invernais da casa – o “violento” mocotó -, acompanhado de um sublime vinho colonial, colocou-me a par das novidades da sua vida aventureira.
- Estou apaixonado – revelou com um brilho intenso no olhar.
Até aí tudo normal. Toda semana ele se apaixona e desapaixona.
- Desta vez é diferente. A gatinha tem 25 aninhos. Um pitéu.
Foi a minha vez de ficar impressionado.
- Ela é cega?
- Quequiéisto? Sou um cavalheiro ainda desfrutável. Dou um bom caldo, hehehe...
Olhei criticamente para a sua barriga proeminente de burguês bem sucedido, em contraposição à minha figura esbelta de operário intelectual, mas concordei. Não gosto de discutir de pandulho cheio. Além do mais ele estava pagando. Notei uma sombra de preocupação no seu semblante.
- Qual o problema?
Ele abriu as comportas do coração. Ainda não havia compartilhado momentos íntimos com a sua jovem e recente paixão, o que deveria acontecer àquela noite. Temia não dar conta do recado.
- Já teve problemas nesta área? – indaguei.
Negou com veemência, mas fez uma ressalva.
- Mas sabe como é a juventude de hoje... No nosso tempo era dourada, hoje, segundo dizem, é fogosa e insaciável.
Cocei o cavanhaque e fiz a sugestão.
- Apela pro azulzinho.
- Funciona mesmo?
- Claro, é pá-pum! – falei com conhecimento de causa.
Convencido, ele chamou o Sem Braço.
O Sem Braço é o quebra-galho do pedaço. Oficialmente é vendedor de bilhetes de loteria, mas consegue o que o freguês desejar: peças de computador, ipods, celulares, relógios, uísque, perfumes e, claro, as pílulas milagrosas. Tudo legítimo, importado diretamente do Paraguai.
***
No sábado pela manhã o telefone tocou. Atendi de mau humor.
- Quem é, porra?
Era o Moah.
- E aí, garanhão? – saudei efusivamente.
- Garanhão uma porra! Deu tudo errado – havia desespero na voz.
- O que houve?
- Falhei miseravelmente.
Contive o riso debochado. Aquele era um momento de dor.
- O Sem Braço vai se ver comigo, acho que a porra do comprimido era falso. Além disto, eu estava nervoso. O Nestor ficou inerte, como se estivesse desmaiado ou em coma.
Nestor é como ele chama o seu, naquele momento, órgão outrora reprodutor. O meu é Godofredo, mas sem o outrora.
- E ela, o que fez? – quis saber.
- Tentou me consolar, mas acho que estava segurando o riso. Mandei embora, estou arrasado.
- Deixa pra lá. Foi só um tropeço ocasional, acontece.
- Já aconteceu contigo?
- Epa!, comigo não – não ia entregar o ouro de bandeja.
- Não sei o que fazer.
- Descansa, relaxa, cuida da alimentação. Vai passar – tentei tranquilizá-lo.
- É isto ou então atear fogos às vestes – concluiu antes de desligar.
***
Ontem encontrei-o novamente. O diálogo foi rápido.
- Tinhas razão. Foi só um acidente de percurso.
- Beleza - eu disse. - Que anjo te resgatou do inferno?
- Sabe a Zelda? Pois é, hehehe... Aliás, tenho um encontro com ela e já estou atrasado.
Depois de emprestar 50 paus – dificilmente nega um pedido de pecúnia quando está de bem com a vida - lá se foi ele, todo pimpão, flanando pelas ruas da cidade.
Assim como depaupera, a paixão revigora.

14 comentários:

Beti Timm disse...

Vixeee!
Mestre como é bom estar aqui de novo!
Você sempre me faz feliz, com seu carinho, seus elogios. Fico sempre toda frajola. É sempre uma honra estar aqui no Balaio! Já lhe disseram que vc é iluminado? Eu digo!

Beijos e muito catinho.

Eleonora Marino Duarte disse...

mestre moa,

as misturas-costuras do seu balaio dão aos poetas uma bela colcha de versos unidos. sua feira é excelente!

o soneto de bardo para bardo (como é bom o poeta henrique, não?)tem a qualidade dos grandes,

o texto da toca do lobo é excelente!

beti e hercília são delicadas vozes na constante pela poesia feminina,

as fotos de bresson são de outro mundo e esta é maravilhosa, maravilhosa...

tudo disponível, tudo aqui, uma revista digital de grande valor!

seu trabalho é imprescindível.

ps: como fã de lars von trier foi bom saber de seu apoio ao filme, fico sua fã pela enésima vez!


um beijo!

BAR DO BARDO disse...

obrigado por me compartilhar com tanta gente boa.

parabéns a todos!

- Henrique Pimenta

Unknown disse...

Bom dia Moacy!

Linda a imagem!

Hercília, é "Hor Concour" assim como Bardinho que se diz tão solitário e cercado por mulhers! Tadinho!

Beti Também maravilhoso poema!

Agora Jeans, sequer o conheço, mas como você entrega assim o ouro?

Gostei muito, porque vi o Moacy, mestre em tudo como gente. Como uma pessoa normal com todos os percalços.

Você tambéms Jeans está de parabéns, pela elegância da narrativa!

Beijos a todos

Mirse

Hercília Fernandes disse...

Uma alegria imensa integrar o Balaio, Moacy.

O post está belíssimo. Muito me honra figurar ao lado de tão belas vozes.

Receba o meu sincero agradecimento.

Forte abraço,
H.F.

Hercília Fernandes disse...

Volto para pedir desculpas pela ausência dos últimos dias.

Sempre acompanho as matérias do Balaio, mas nem sempre disponibilizo de tempo para comentá-las - o que lamento muitíssimo.

Um forte abraço, poetíssimo.
H.F.

Francisco Sobreira disse...

Muito bom, Moacy, esse texto do Jens. Bem escrito e com senso de humor. Também bom o poema de Miss Beti (como a chamo), que já comentei no blogue dela. Um abraço.

* E o Flu? E o ABC? Haja sofrimento dos torcedores dos 2, como é o seu caso, amigo.

Jens disse...

Pô Moacy, o clã invadiu o Balaio. Só faltou a Mariana Timm. Muito bacana. Fiquei contente. Thanks.
***
Também agradeço aos elogios nos comentários. Valeu, pessoal.
***
Esclarecimento: o Moah é um camarada meu aqui de POA. Não se trata do Moacy. Como é público e notório, sertanejos caicoenses não costumam negar fogo quando o assunto é conúbio carnal. Chico Doido de Caicó é o mais vistoso exemplo.
***
Cuca no Flu. Agora vai!
***
Um abraço.

Mme. S. disse...

bons poemas. prosa bem escrita. ô coisa boa de vir aqui! cheiro meu querido, S.

Dilberto L. Rosa disse...

Rapaz, arrasaste com os talentosos Henrique, Jens e com a sempre fabulosa Beti! Ainda mais com a doce mocinha bêbada que fez o quatro depois de caída no rio... Abração!

Lívio Oliveira disse...

Belíssima e rica postagem. Como sempre, fico feliz ao ler algo de Pimenta. E a foto de Bresson é de uma sensualidade sem igual.
Abs.

Soninha disse...

Olá, Moacy!

Visitar o Balaio é conhecer coisas novas e rever coisas antigas.
Vir ao Balaio é seguir por caminhos bons com bons passos.
Adorei ver minha querida Beti e meu querido Jens nestas páginas.
Adoro o que eles escrevem e os amo muito.
Junto com Henrique e Hercília ficaram ótimos.Que mistura supimpa!
Muito bom.
Valeu, Moacy.
Bom trabalho pra você.
Muita paz! Beijosssssssss

Jens disse...

Muito legal. Linha direta entre o Bar do Ferreirinha e o Bar do Alemão. Fui lá.

Anônimo disse...

Venha sempre Jens,aqui vc será muito bem recebido.