quarta-feira, 24 de março de 2010


São José da (Moça) Bonita ou
São José do Seridó,
no Rio Grande do Norte:
uma das três cidades de todos os meus nascimentos
- as outras duas são Caicó e Jardim do Seridó

Foto:
José Dantas


BALAIO PORRETA 1986
n° 2970
Natal, 24 de março de 2010


POEMA
Miguel Cirilo
- São José do Seridó -
[ in Os elementos do caos, 1964 ]

o corpo branco no chão
não faz esforço.
a luz circula na intimidade.
a nudez é antiga,
o quarto também.
as palavras estão se arrumando
para um novo poema.
as coisas, postas em sossego
repousam de qualquer modo.
anônima é a presença da noite.
os chinelos esperam.
eles não sabem, mas esperam.
- pode alguém exigir mais para dormir?


QUARADOR DE NUVENS
Marcelo Novaes
[ in Prosas Poéticas ]

Ela disse que, de repente, seu corpo se colou à alma. E ele esteve feliz, por cinco dias. Precisava de uma Educação do Corpo. E uma Filosofia do Corpo. [Além de nadar e nadar um pouco]. E mais: precisava se esquer do Corpo-enquanto-imagem. Desfazer-se da multidão de espelhos [e miragens-de-si-mesma]. Quarar-se à luz das nuvens, que isso também era corpóreo [e filosofal, a um só tempo]. Quarar-se ao sol seriam outros quinhentos. E n'outras horas.


A melhor teoria sobre o poema é o poema.
(Paulo de Tarso Correia de MELO, II ENE, 2007)


AGORA COMO SEMPRE
Baquílides (séc. V aC)
[ in Poesia grega e latina,
trad. Péricles Euênio da Silva Ramos, 1964 ]

Agora, como sempre,
com outro é que se obtém perícia:
pois não é fácil alcançar
a porta das palavras nunca ditas.


DOIS POEMAS
Romério Rômulo
[ in Matéria bruta, 2006 ]

a pedra que repousa no meu olho
carrega o mastro da noite.

[][][]

a nostalgia da tela rega tudo.
são sangues que desviam tua alma.


PEDRAS DE TOQUE DA POESIA BRASILEIRA
[ org. José Lino Grunewald, 1996 ]

é régua que calcula a
linguagem e lhe engenha
modelos de medula
(Nelson Ascher, Definição de poesia)

E vestes a parábola noturna
do alfabeto das últimas folhagens
(Abgar Renault, Claro e escuro)

Entrego aos ventos a esperança errante
(Cláudio Manuel da Costa,
A cada instante, Amor, a cada instante)

Eu desenhava na praia a curva de teu seio
E continuava voando entre o farol e o mar
(Ledo Ivo, Esmeralda)

Não tem altura o silêncio das pedras
(Manoel de Barros, Uma didática da invenção - X)

Olhei-te todo o meu olhar!
(Duque Costa, Elogio exótico)

[O] outuno toca realejo
No pátio da minha vida
(Mario Quintana, Canção de outuno)


A BARRAGEM TÁ PESADA
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

Seu pranto de ave presa
É represa
Em meu coração.

Sangria de açude maior
Nunca vi.


LASCÍVIA
Acantha
[ in La Vie Bohème ]

Me entrego -
boca, língua e gestos -
enquanto liquefazes
a noite em mim.


Repeteco / Tesourapress
HUMANO, DEMASIADO FRÁGIL
Sanderson Negreiros (RN)
[ in Tribuna do Norte, em Quadrantes ]

1. Conta-se que Padre Mota, experimentado conhecedor da natureza humana e que, durante a existência inteira, marcou a vida de Mossoró, certa vez recebeu no confessionário uma dama que, penitente, foi logo dizendo:

- Padre Mota, meu grande pecado é o orgulho.
O vigário, bonachão e curioso daquele testemunho tão veraz e eloquente, foi perguntando:
- Minha filha, você é rica?
- Não, senhor.
- Você é bonita, elegante, charmosa?
- Não, senhor.
- Você é inteligente, tem cultura?
- Não, senhor.
- Me diga uma coisa: você é de uma família muito importante?
- Não, senhor.

E Padre Mota, do alto de seus sapatos de fivela - sapato de monsenhor protonotário apostólico - perdeu certa paciência magnânima e foi, como sempre, sincero e objetivo:

- Então, minha filha, você não é orgulhosa. Você é muito é da besta.

E anotemos na nossa agenda: quantas vezes na vida pensamos que agimos por orgulho, quando, na realidade, o que somos mesmo é donos da besteira universal, unânime e concreta. A besteira da arrogância.

2. Leio nas memórias de Vitorino Freire uma passagem deliciosa com Benedito Valadares, mestre da matreirice política de Minas Gerais. Certa vez, Vitorino, senador pelo Maranhão, mais o senador Gilberto Marinho, conversavam com Benedito, autor inclusive da famosa frase: "Estou rouco de tanto ouvir". O velho pessedista mineiro, que Getúlio retirou do anonimato de Patos de Minas, onde era humilde dentista, e o fez interventor por quase quinze anos. Consabidamente não falava, mas era de uma sabedoria política inquestionável. Dele também é a sábia advertência: "Só realize reunião quando tiver decidido tudo antes. Reunião é feita para aprovar". Certo dia, Benedito estava conversador mais do que a medida permitida pela prudência mineira. Vitorino e Gilberto Marinho ficaram em silêncio, vendo e ouvindo a desenvoltura do velho Valadares. Mas, mal discorria, Benedito para e cala. Vitorino interroga:

- Benedito, por que você parou de falar?
E a matreirice responde:
- Parei porque vocês estavam prestando muita atenção no que eu estava dizendo.


Há um pouco de sangue
Nos poemas
Que ainda não escrevi.
(Euclides AMARAL,
in Desmaio Públiko, nº 35, Nova Iguaçu, RJ, agosto 1993)


Memória
O QUE DIZIA RAMALHO ORTIGÃO

Eis o que escrevia o escritor português Ramalho Ortigão, no início do século passado, ao definir o que considerava ser fundamental para a boa educação da mulher:

"Os conhecimentos indispensáveis deveriam constar dos seguintes ramos de ensino:
1. Curso de asseio e de arranjo;
2. Curso de cozinha (química culinária);
3. Contabilidade, escrituração e economia doméstica.
A menina aprenderia, primeiro que tudo, a fazer um caldo. Toda mulher que não sabe fazer um caldo deveria ser proibida de dirigir uma casa".
[ Fonte: Jornal do Século XX, de Jayme Brenner ]

Nota do Balaio, nº 1277, de 9 de maio de 2000:
Já que vem por aí uma reforma curricular, propomos a seguinte disciplina (obrigatória): Introdução à teoria psicanalítica do Caldo.


15 comentários:

Unknown disse...

Que Balaio!

É tudo tão lindo que como sempre comentarei a imagem. Parece tão calma, tranquila e serena, que deve dar bons poetas, agora entendi! Linda cidade!

A seleção de poemas está um espetáculo!

Parabéns com louvor à Marcelo Novaes e Romério Rômulo.

Guardarei o "Agora como sempre", relíquia preciosa de Baquílides, sec V a.C.

Carito e Acanta, uma beleza!

Ousado esse Pare Mota!

Fora Ramalho Ortigão.

Parabéns, Moa!


Excelente o Balaio de hoje!

Beijos

Mirse

líria porto disse...

a cidade onde nasci é plana como são josé da bonita - o mesmo céu limpo!

destaco os verso do romério entre tantas palavras bonitas!

quintana é meu outono!

besos

(a postagem de ontem, excelente, por sinal, foi encerrada com o ouro das tua própria escrita!)

*

Jarbas Martins disse...

Quer dizer, Moacy, que três cidades(Jardim do Seridó,São José
do Seridó e Caicó) disputam o privilégio de ser o seu berço natal ?
Boas postagens,velho Moá: os poemas de Miguel Cirilo,Marcelo Novaes, Romério Rômulo e Carito.Também muito boa a mostragem de pedras de toque da poesia brasileira.
Abraços.

Unknown disse...

Poesia e caldo de galinha, quem há de recusar? Abraço.

Pedrita disse...

adorei o poema de euclides do amaral. beijos, pedrita

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Moacy, obrigado sempre pela excelente poesia e prosa que nos ofereces aqui neste balaio porretíssimo!!!
A foto de Seridó me faz lembrar alguma povoacao perdida no interior de Angola....
Abracos - kandandus!!!

O Anônimo Natalense disse...

O ÚLTIMO TWITTER

o potengi arde e morre tarde
de amor
por nina rizzi

Unknown disse...

Amigos e amigas:

Repasso notícia divulgada por Tácito Costa no blog "Substantivo Plural". Quem puder ligar para Jairo, ligue:

24 de março de 2010 às 10:50 -

Jairo Lima

Depois de vários dias em busca de notícias do poeta Jairo Lima, editor do blog Papo Furado, finalmente hoje tivemos as primeiras informações. O tradutor Chico Guedes me ligou há pouco para informar que o poeta contraiu dengue hemorrágica em Arcoverde, interior de Pernambuco, sua cidade natal. De lá, foi transferido para Recife, onde ficou vários dias internado, em estado gravíssimo. Chico falou por telefone com Jairo, que ainda está muito fraco, mas fora de risco de morte. Nossa torcida é que o poeta se recupere o mais rápido possível. O novo celular dele é o (087) 9951-8199.

xxxxx

Abraços:

Marcos Silva

Jens disse...

Dou meu total apoio à propagação do ensino de como fazer um bom caldo. Depois de certas noites e madrugadas turbulentas não existe melhor revigorante. Para pós graduação, sugiro o Bar e Restaurante Van Gogh, na Cidade Baixa, ou o Naval, no mercado público - os maiores especialistas no assunto abaixo do Rio Mampituba.

Abraço.

Mme. S. disse...

Poema do Carito! Bom! De certa maneira, se ele tá no Balaio hoje e eu estou comentando... nós três estamos juntos!

Anônimo disse...

Tão bom encontrar aqui a imagem da minha linda São José da Bonita! Fico feliz que, apesar da pressa cotidiana, tenha um tempinho de passar no elienenews, Rapaz Sertanejo.
Muitas coisas estão acontecendo no universo cultural e artístico da nossa pequena "San Zé da Bunita" e sua passagem por aqui, creio eu, contribuiu muito para esse avivamento.

Bj de Fera procê!

Marcelo Novaes disse...

Moa,



A melhor teoria sobre o poema é o poema.




Grato por me incluir!



:)





Abração.

Jens disse...

Oi Moacy.
Gostei do poema da Florbela. Lembrei de uns versos antigos, cujo autor a memória deletou:
"Eu sou aquele que um dia os saltimbancos roubaram
A noiva abandonada no altar"
***
Um registro elogioso também para o amor de Safo e a abusada celebração verbal da Leila.

Abraço.

Carito disse...

Hey Moa! Grato por me incluir mais uma vez! Sim, Sheylinha! Estamos juntos!

Unknown disse...

Meu caro Carlos felipe, aqui quem escreve é, Ricardo Emanuel do Lago, um poeta baiano, amigo do Miguel Cirilo. Fiquei sabendo do falecimento do poeta amigo e gostarria de saber em que circunstancias se deu o passamento querido Miguel Cirilo. Conheci o Miguel aqui em Salvador, Bahia, por volta de 1978. Na decada de 00 para cá perdemos o contato, pois ele voltou para a terra natal, com perdão do pleonasmo. Meu email é:

afolhametro@yahoo.com.br