quarta-feira, 10 de setembro de 2008


Amanhecer em Zumbi,
ao norte de Natal

Foto de
Deise Areias


BALAIO PORRETA 1986
n° 2421
Natal, 10 de setembro de 2008


Sei a tristeza que fere as mãos.
Colho a estrela do que fora sonho.
Flores nascerão sobre quem se ama?
(Sanderson Negreiros, RN, in O gesto)


Memória 1994
BALAIO INCOMUN n° 593
Desde 8/9/1986
Rio, 4 de março de 1994


Diretamente do Além
MENSAGEM DE CHICO DOIDO DE CAICÓ
AOS FORMANDOS DE COMUNICAÇÃO DA UFF


Em vida, sempre fui um presepeiro, sempre fui um gozador, sempre fui um mulherengo da melhor qualidade. Desmaterializado, e já que não posso mais ser um mulherengo da gota serena, um mulherengo da bixiga lixa, continuo sendo um gozador muito do sacana, muito do atrevido, para satisfação daqueles que passam pelo meu Plano Astral. São Francisco de Assis, Câmara Cascudo, Patrícia Galvão, Manuel Bandeira, Moysés Sesyom, Rosinha da Pá Virada (uma digníssima prostituta da Paraíba), Jorge Fernandes, José Bezerra Gomes, Zila Mamede e Carlos Zéfiro, por exemplo, adoram sentir as minhas cabeludas mentiraiadas.

Aliás, sempre fui um grande e etílico mentiroso, mas um mentiroso de respeito, um mentiroso arretado, um mentiroso digno, e não um mentiroso que faz da mentira um curral diabólico para enganar o povo, para promover a corrupção, para acionar a falta de moral, para atiçar a miséria. Não fui, não sou e não serei um mentiroso qualquer. Mentiroso, sim, mas um mentiroso que nunca enganou ninguém.

E agora, para minha agradável surpresa, eis que sou patrono de uma turma de estudantes que se preparam - e como! - para enfrentar as inúmeras dificuldades do mundo. Em Caicó, garanto, ninguém vai acreditar nesta história. Vão achar que é mais uma mentira do Chico véio de guerra; que é mais uma doidura desse pobre diabo de tantas e tantas loucuras, pelo menos na sua poesia. Paciência, queiram ou não, sinto-me um pai-d'égua escalafobético muito do orgulhoso para nenhum bangalafumenga botar defeito.

Pensando em vocês, moços e moças, com todo o carinho possível do meu Seridó (que é maior do que a distância entre a Terra e o Sol), mas sem desejar para ninguém uma carreira de vícios (a não ser aqueles doces e adoráveis vícios demasiadamente humanos), me lembrei de uma glosa do poeta Moysés Sesyom:

Vida longa não alcanço
Na orgia ou no prazer.
Mas, enquanto não morrer
- Bebo, fumo, jogo e danço!
Brinco, farreio, não canso,
Me censure quem quiser...
Enquanto eu vida tiver,
Cumprindo essa sina venho,
E, além dos vícios que tenho,
- Sou perdido por mulher!...


Pois é...
Às belas moças da turma, quero dizer:
São tão borogodosas e cheirosas quanto as morenas do meu sertão. Se vivo fosse, se aí estivesse, me apaixonaria por todas vocês (com o devido respeito que a situação poderia requerer). Sei que isso seria um problema dos 600 mil diabos. Mas vocês merecem todas as paixões do mundo. E toda a felicidade necessária para a nova vida que hoje se inicia.

Aos moços, direi: são todos legais. E que também sejam felizes. E mais não direi, que a um caba macho de Caicó, mesmo desmaterializado, não se permite dizer muitas coisas de marmanjos.
Assim sendo, nesta noite de fortes e inesperadas emoções, saibam viver com alegria e esperança. À distância, da sexta margem do rio, passando ao largo do velho Rosa, queiram aceitar o meu abraço. Obrigado...

Nota:
Esta mensagem foi lida, em off, por um aluno, no Teatro da UFF (Icaraí, Niterói), completamente lotado, em noite de gala. Depois da sessão de formatura, o Balaio foi distribuído entre os presentes. A turma Chico Doido de Caicó teve como paraninfo este vosso Moacy Cirne, professor, poeta, cangaceiro e caba da peste.

Em tempo / 2004:
Chico Doido de Caicó (1922-1991) foi divulgado pelo Balaio a partir de março de 1991, logo conquistando a simpatia e a admiração dos iacsianos da UFF. Em 1993, foi lançado postumamente à Academia Brasileira de Letras. Entre seus admiradores, o ator Leon Góes (que o interpretaria no teatro em 2002), os poetas Arthur Gomes e Sebastião Nunes e os cineastas Nelson Pereira dos Santos, Jussara Queiroz e Luiz Rosemberg Filho. Segundo consta, a cantora Madonna viria ao Brasil exclusivamente para conhecê-lo, tendo ficado inconsolável ao saber de sua morte, em maio de 1991. Para alguns, a presente "mensagem", lida na noite da formatura, em 4/3/1994, não teria sido "psicografada" e sim "alcooligrafada" nos bares de São Domingos, em Niterói. Há controvérsias a respeito.

Em tempo / 2008:
Moysés Sesyom, poeta popular norte-riograndense, citado por CDC, nasceu em Caicó em 1883 e faleceu em Açu em 1932. Sua obra poético-fescenina foi toda construída em Açu, a partir de 1920.

7 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Gostei do "alcooligrafada", Moacy. Mas, olhe, Madona bem que poderia se encontrar com você, ou com Nei, se este ainda morasse no Rio (risos). Um abraço.

Bruno Gaudêncio disse...

Gostaria de saber da bibliografia do Chico Doído de Caicó, caro Moacyr...muito interessante...há semelhanças com nosso Inácio da Catigueira aqui na Paraíba...hehehehe

Meg disse...

Querido Moacy,
Cá está CHICO DOIDO DE CAICÓ.
Ainda não li mas vou ler com atenção depois da referência que deixou lá...em casa
E vou à procura de seus augumentos.
No fim, lhe digo minha opinião.
Me aguarde.
Um cheiro para você.

Jens disse...

Moacy:
Chico Doido é foda. Fodão.
Eu, se fosse mulher, dava pra ele.
Além de cabra macho, é bagual. Dos bons!
Abraço pros dois.

Cinecasulófilo disse...

Moacy, parabéns por mais um lançamento!! BANZAI!! E Chico Doido de Caicó é genial!! abs do engenhao...

Anônimo disse...

moacy:
estou certo de que o chico é ser vivente.confira!sujeito assim não morre por pouca coisa.poderíamos ter um conjunto de poemas do bardo
do caicó?vai ajudar.
romério

Marco disse...

Como eu disse, a ABL devia ter tornado Chico Doido imortal faz tempo. Mas para quem gosta de boa prosa, bons causos e boas mulheres, Chico não vai morrer nunca.
Carpe Diem.