quarta-feira, 29 de outubro de 2008


BALAIO PORRETA 1986
n° 2465
Rio, 30 de outubro de 2008


A nós sempre interessou a imagem não como invólucro da barbárie, mas como subversão. ... Para o bem ou para o mal, a mulher será sempre mostrada e vista como uma obra-prima
a ser desvendada.

(Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar,
in Via Política)


TEXTOPOEMA
Mário Ivo Cavalcanti
[ in Cidade dos Reis ]

me pedem que eu escreva
eu escrevo
digo
apenas não publico
me pedem que eu escreva
como se fosse indolor
como se não machucasse dedos e artelhos nos escolhos
me pedem que eu escreva
como se nada fosse
flanar pelos bairros altos
cidades ocultas
expondo as vísceras sob as costelas
nervos atados às vértebras
como se eu tivesse mil braços e mãos para segurar a longa fila de intestinos e tripas e tendões e vasos
artérias e veias
me pedem que eu escreva como se não fosse constrangedor andar por aí coberto de sangue urina e fezes
como se o mundo fosse uma incubadora anti-germens e a mim fosse dado direito e dever da impunidade e do salvo-conduto
invisibilidade de herói
mas o pior
creiam-me
o mais terrível
é ser obrigado a caminhar com a deselegância de dores crônicas tão antigas quanto o arco
tão venenosas quanto a frecha
fingindo uma elegância e estilo mui apropriados às feras entre feras
me pedem
então
que eu escreva
e eu repito
não é que não escreva
apenas não publico
porque dói caminhar sobre o fio da navalha sem direito ao desequilíbrio
sem o perdão do abismo
sem o frescor de uma esperança sempre adiada
me pedem e não sabem o que me pedem
me pedem sonhos
eu
que nunca durmo
me pedem sorrisos
eu
que nunca choro
a não ser no escuro
tarde
noite
quando o animal me empurra o peito e sufoca qualquer som e palavra.


POEMA
Miguel Cirilo
[ in Os elementos do caos, 1964 ]

o corpo branco no chão
não faz esforço.
a luz circula na intimidade.
a nudez é antiga,
o quarto também.
as palavras estão se arrumando
para um novo poema.
as coisas, postas em sossego
repousam de qualquer modo.
anônima é a presença da noite.
os chinelos esperam.
eles não sabem, mas esperam.
- pode alguém exigir mais para dormir?


Humor/Repeteco
PAGAR O QUÊ?
por Hugo Macedo
[ in Beco Estreito. Natal, 2006 ]

Mané Bonitim [de Parelhas, RN] estava "doido" pra tomar uma de cana na festa de Acari [cidade vizinha, em pleno Seridó]. Mas, como não tinha um tostão no bolso, não contou conversa: com sua astúcia, chegou no bar central da cidade, e pediu ao balconista:

- Bota aí um café, cabra!

O inocente homem atendeu de prontidão, mas, antes mesmo do primeiro gole, Bonitim falou:

- Amigo, você poderia trocar o café por uma chamada de cana? Parece que a festa tá boa, né?

- É, posso. Disse o acariense.

Aproveitando a distração do atendente, Mané Bonitim engoliu a cachaça de uma só vez e foi saindo de fininho sem pagar, quando o dono do bar o abordou já na calçada:

- Ei! Pague a cachaça, rapaz!

- Que cachaça? Eu não troquei pelo café?

- Então, pague o café!

- E eu bebi café?

6 comentários:

Jens disse...

Bom retorno, Moacy.
Interessante a técnica do Mané Bonitim, hehehe...
Um abraço.

o refúgio disse...

Moacy voltou! Moacy voltou!
Bota mais água no beijão!
Ops, feijão! :D

Adrianna Coelho disse...


o textopoema atestou a poesia!
lindo!

vou lá conhecer o moço! :)

Anônimo disse...

1.Aê, Balaio atualizado.
2. Moacy, hoje no beco das Carmelitas, n9, na Lapa, tem um evento que é bem legal, eu sempre vou, chama-se: Ratos Di Versos; um grupo de poetas que recitam poemas próprios e de outros autores. O microfone é aberto. Super tranquilo! Vai lá. Começas às 21h.

Anônimo disse...

Que foto, Moacy! Li o beco estreito e ri muito.
Grande abraço de um outro seridoense.

Wescley J. Gama

Cosmunicando disse...

adorei o poema de Miguel Cirillo =)