quinta-feira, 14 de maio de 2009

América pré-hispânica
- sobrecapa para um livro de Pablo Neruda -
(1950)
Diego Rivera


BALAIO PORRETA 1986
n° 2661
Rio, 14 de maio de 2009

Assim que se começa a interpretar a Bíblia literalmente, em vez de simbolicamente, a ideia de Deus torna-se impossível.
(Karen ARMSTRONG. Uma história de Deus, 1993)


O LIVRO DOS LIVROS
(28)

Texto estabelecido por Moatidatotatýne, o Escriba

O funeral de Moysés Sesyom do Sertão

E o patriarca e profeta Moysés Sesyom do Sertão faleceu na Serra de Samanaú, às 5 horas da tarde, enquanto dois pastores, que por ali passavam, recitavam versos de Garcia Lorca, poeta d'além-mar do futuro. E o sucessor Josué dos Santos Oberdadan providenciou o seu enterro, com bastante pompa, no solo sagrado da Serra.

E nunca se viu um funeral com tanto general.

E nunca se viu um sepultamento com tal alumbramento.

Da Europa distante vieram os imperadores Hugo Pratt, Astérix Obélix, Paolo Pasolini e Milo Manara. E mais as imperatrizes Anna Magnani, Claudia Cardinale, Sophia Loren e Ingrid Bergman. Dos longínquos Estados Unidos compareceram os historiadores Flash Gordon, Ray Bradbury, Mandrake Falk(¹) e John Wayne. E mais as trapezistas Barbarella Fonda(²), Marilyn Monroe, Ava Gardner e Jean Seberg.

Da América Latina amada vieram os teólogos Jorge Luis Borges, Che Guevara, Diego Rivera e Juan Rulfo. E mais as geógrafas María Felix, Maria Antonieta Pons, Mafalda Quino e Libertad Lamarque. Da amada África vieram os arquitetos Agostinho Neto, Samora Machel, Luandino Vieira e Luís Romano. E mais as cientistas Paula Tavares, Zama Magaduela, Sara Tavares e Macaela Reis. E assim foi. E assim aconteceu.

E todos, de Hugo Pratt a Micaela Reis, viajaram em seus pavões misteriosos(³), fabricados na Grécia, na Turquia e também em Campina Grande.

E mais gente veio, e veio mais gente, de todas as épocas, de todos os tempos: Homero, Ramsés II, Confucius, Santo Agostinho, São Francisco de Assis, Dante, Camões. E mais gente veio: Kim Novak, Zumbi dos Palmares, Leão Itacarambi, Jerusalém do Além(ª¹),
Helder Câmara e vários generais da banda de música de Cruzeta, a famosa Furiosa, que tocou um dobrado dos mais arretados, sob a regência de Felinto Lúcio. E a emoção tomou conta do povaréu. Foguetões(ª²) pipocaram. E assim aconteceu. E assim foi.

E Josué dos Santos Oberdadan, em seguida, pronunciou uma oração fúnebre capaz de estuporar(ª³) até mesmo um defundo daquela grandeza: "Fostes bravo, fostes cabra da peste(ªª¹), o espírito do Senhor das Alturas falou por ti, a sua palavra está sobre a minha língua. Fostes companheiro, fostes amigão, o espírito do Senhor das Alturas está na minha língua(ªª²). Cordeiro do Senhor, nada nos faltará. Cordeiro do Senhor, a Terra Prometida já se encontra sob nossos pés. Cordeiro do Senhor, inigualável é a Vossa Luz"(ªª³).

E Josué dos Santos Oberdadan afastou-se de todos com o corpo de Moysés Sesyom do Sertão e o enterrou no alto da Serra, longe da pequena multidão. Até hoje não se sabe o local exato de sua morada final. Os seridoenses - alguns voltaram para Açu e Jucurutu e São Rafael, outros preferiram ficar por ali mesmo - choraram o Patriarca por 30 dias e 30 noites. Um pouco adiante, debaixo de uma velha oiticica, ouviu-se um soluço homérico: era o choro do Senhor das Alturas.

Próximo capítulo:
A tristeza do Senhor das Alturas

Notas:

(¹) No séc. XX da Era Comum existirá um personagem das histórias-em-quadrinhos conhecido por Mandrake, criação de Lee Falk & Ray Moore. Estaríamos, por ventura, diante de uma simples coincidência bíblica?
(²) De igual modo existirá uma heroína francesa de quadrinhos conhecida por Barbarella, a ser interpretada, através de imagens em movimento, pela atriz norte-americana Jane Fonda. Estaríamos, também aqui, diante de mais uma simples coincidência bíblica?
(³) "Pavão misterioso" : Nave voadora que, séculos depois, no ano de 1932 da Era Comum, será cantada em prosa e verso por um poeta popular do cordel nordestino.
(ª¹) Os exegetas mais rigorosos não conseguiram apurar a identidade desse 'Jerusalém do Além'. Mas segundo a historiadora Adrianita Ita Ita, amiga de Carito Ivo Ivo, seria o nome de guerra de um trovador da Idade Média da Era Comum, muito popular entre os roqueiros de Oh!linda, em Pernambucália, por Raul Seixas conhecido.
(ª²) Foguetões : Rojões.
(ª³) Estuporar : Ficar repentinamente doente em função de um choque térmico mais violento. [O uso aqui é meramente metafórico.]
(ªª¹) Cabra da peste, ou simplesmente Caba da peste : Sujeito valoroso, sujeito arretado, sujeito danado de bom. Indivíduo corajoso. Poder-se-á também dizer: Cab(r)a bom da porra. Já cabra da rede rasgada é o sujeito desabusado e/ou desordeiro.
(ªª²) "Sobre a minha língua" / "Está na minha língua" : Segundo o teólogo Samuel Fulleraraújo, não se trata, neste caso, de um simples jogo de palavras, valorizado por traduções/revisões diferenciadas: trata-se, antes, de um pressuposto de hermenêutica cosmológica entre o ser-linguístico e o ser-póslinguístico, cujas conotações sexuais teriam implicações freudianas no campo do saber metafísico.
(ªª³) Ou seja: "O Arquiteto Divino tinha cada vez menos coisas a fazer no mundo. Não precisava nem mesmo conservá-lo, porquanto o mundo cada vez mais prescindia desse serviço" (Alexandre Koyré. Do mundo fechado ao universo infinito, ano 1957 da Era Comum).

5 comentários:

Lívio Oliveira disse...

Bonita ilustração e o livro dos livros vai narrando a longa his(es)tória...

Unknown disse...

Bom Dia, Moacy!

Linda a ilustração, que me faz lembrar algo asteca.

Oh enterro bom, gente! É mais uma festa!

E como eram sábios! Já recitavam Garcia Lorca! Agora, o Che de teólogo está demais!

Só você, Moacy, para ter essas idéias.

Pensava que "cabra da peste" fosse justamente o contrário.

E ao soar de Pavão Misterioso, pássaro formoso....

Ah Ah Ah

Muito bom!

Parabéns, escriba!

Beijos

Mirse

BAR DO BARDO disse...

meu deus, esse texto leva oswald no bojo... ri ri ri.

que prosa, hein?!

mario cezar disse...

moacy, disse algo (como quem não entende de dentadas). sim, dê uma espiada. inté

Flávio Corrêa de Mello disse...

Oi Moacy,
gostei muito da abertura. Tanto que dá para antever o próximo capítulo, me dá inclusive, vontade de escrever!!