quinta-feira, 20 de agosto de 2009


BALAIO PORRETA 1986
n° 2758

Rio, 20 de agosto de 2009

E vi sete anjos que estavam em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas. ... Então os sete anjos, que tinham as sete trombetas, se prepararam para as fazer soar.
(Bíblia Sagrada - Apocalipse,
trad. Antônio Pereira de Figueiredo, 1972)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 15)

O livro do Apocalipse

Na verdade, o homem não deve esforça-se para alcançar aquilo que está acima da razão humana. ... deve-se dizer que embora não se deva investigar por meio da razão o que ultrapassa o conhecimento humano, contudo, o que é revelado por Deus, deve-se acolher na fé.
(Tomás de AQUINO. Suma teológica, I, 1, 1266-1274)

E o Senhor das Alturas disse:
"Louco eu sou;
Sábio eu fui;
Deus eu serei".

E o Senhor das Alturas desistiu da humanidade.
E, desorientado, embriagou-se com 666 talagadas de cachaça.
E convidou São João Apóstolo para uma viagem
de alucinações metafísicas.

E, delirando, disse:
"Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, o Itans e o Boqueirão, a Serra de Samanaú e a Serra de Mulungu, o Gargalheiras e a Biblioteca de Babel, o Tudo e o Nada". E trombetas, sanfonas, triângulos e zabumbas anunciaram a sua indignação diante do mundo.

E o Senhor das Alturas
viu e sentiu cavalos vermelhos que cuspiam espadas de fogo.

E o Senhor das Alturas
viu e sentiu cavalos negros que vomitavam serpentes de chumbo.

E o Senhor das Alturas
viu e sentiu cavalos amarelos que arrotavam elefantes de mármore.

E o Senhor das Alturas
viu e sentiu cavalos violetas que choravam onças de granito.

E o Senhor das Alturas disse: "Vislumbro sete anjos muito doidos que descem dos céus vestidos com nuvens de algodão doce. Seus rostos brilham como o sol; os seus pés são colunas flamejantes. Um deles carrega em sua mão esquerda o Livro dos Mortos; um outro, em sua mão direita, o Livro das Trevas; um terceiro, com as duas mãos erguidas para o alto, a Divina Comédia".

E uma besta-fera saiu do Itans. E outra saiu do Poço de Santana. E outra saiu do Poço da Bonita. E outra percorreu os Apertados.

A besta do Itans tinha sete cabeças e 13 chifres; a do Poço de Santana, sete olhos e 17 chifres; a do Poço da Bonita, sete bocas e 22 chifres; a dos Apertados, sete pernas e 24 chifres. E todas espumavam de ódio e desesperança.

E o Senhor das Alturas viu, sentiu e repudiou as sete pragas do mundo moderno: - a corrupção dos políticos; - o turismo sexual; - a especulação imobiliária; - o fanatismo religioso; - a música reeira; - a patriotada pseudonacionalista; - a espetacularização da violência. E o Senhor das Alturas lamentou pela humanidade. E por Ele, Criador de todas as coisas.

E, do Seridó à Cidade dos Reys, as multidões choraram.
De dor. De desespero. De horror diante do horror.

E se formou nos céus uma chuva de pedra, fogo, sangue e enxofre.
E as árvores se queimaram.
E o mar se incendiou.
E o Poço de Santana secou.
E o Senhor das Sombras, falso amigo,
surgiu do fim do mundo, rangeu os dentes e disse em tom apavorado: "Senhor, oh Senhor das Alturas, não se consuma em chamas, não se acabe em palavras; se o Senhor findar, eu também findarei". E com voz já enfraquecida: "Tendes piedade de mim, oh Cordeiro das Alturas. Em nome de santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, tendes piedade de mim, oh Cordeiro dos Seridoenses". E com voz quase inaudível: "Em nome dos trabalhadores, dos boêmios e de todas as mulheres do mundo, tendes piedade de mim, oh Cordeiro da Minha Vida. O que será de Sant'Ana, o que será do Senhor da Cruz? Por favor, voltes a sonhar, voltes a sonhar...".


E o Senhor das Alturas disse:
"Lamento pelos músicos, pelos poetas e também pelos pintores;
lamento pelos escritores, pelos artesãos e também pelos escultores;
lamento pelos cineastas, pelos dramaturgos e pelos desenhistas;
lamento pelos filósofos, pelos arquitetos e também pelos cartunistas;
lamento pelos fotógrafos, pelas bordadeiras e pelas doceiras.
Lamento por Queicuó, pelo sertão, pelo Seridó,
e também por Sant'Ana,
e também pelo Senhor da Cruz,
e também por Ava Gardner.
Mas sonhar é muito perigoso. E Eu não quero mais sonhar".

E o Senhor das Alturas, mais solitário do que nunca,
desapareceu numa explosão de sete vezes sete mil estrelas.

E não se fez mais luz.
E a luz não mais se fez.
E das trevas surgiu o Nada.
Para sempre. Para sempre.

AMÉM.

20 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei boba com a destruição!
Que os anjos não digam amém!
Vc é único Moacy.
Bjs.

Unknown disse...

É Moacy! Você será salvo da destruição.

Os lamentos do Senhor das Alturas está maravilhoso.

Grande Livro!

Beijos

Mirse

Romário Gomes disse...

Faço minhas as palavras do Poeta: "E agora, José?".

BAR DO BARDO disse...

666 talagadas... mas isto é o céu!

Theo G. Alves disse...

vixe maria! valha-me deus! o pau comeu em caicómundo!

Jens disse...

Fulgurante o fim do mundo visto a partir do olhar de um sertanejo de Caicó.
Parabéns, Moacy. Magistral a tua releitura do Livro dos Livros.

Anônimo disse...

E assim terminou?... Pensei que ainda teríamos mais alguns séculos para apreciação.

bj, moço sertanejo

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Texto primoroso, Mestre. Sagrado e profano ao mesmo tempo. Abração.

Adriana Riess Karnal disse...

Chegeui a me arrepiar,Moacy...

Lívio Oliveira disse...

The End?

Fátima Queiroz disse...

Eu quero minha mãe...

bjs

fátima queiroz

Ines Mota disse...

Mas sonhar é muito perigoso. E Eu não quero mais sonhar".

"E o Senhor das Alturas, mais solitário do que nunca,
desapareceu numa explosão de sete vezes sete mil estrelas.

E não se fez mais luz.
E a luz não mais se fez.
E das trevas surgiu o Nada.
Para sempre. Para sempre."

Fantástica releitura!

Fiquei com peninha da minha ex cadela Megg.

Beijoooos!!

Marco disse...

Amém!
Caro mestre Moacy, este texto é de sua lavra? Olha, ficou melhor do que o de São João!
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Adrianna Coelho disse...


Pois é... vou ficar com a pergunta do Lívio: The End?

O Sr. das Alturas pode se achar um sonhador, mas ele não é o único...

e uma letrinha para vc:


A Prosa Impúrpura do Caicó
(Alceu Valença)


Ah! Caicó
Arcaico
Em meu peito catolaico
Tudo é descrença e fé

Ah! Caicó
Arcaico
Meu cashcouer mallarmaico
Tudo rejeita e quer

É com é sem
Milhão e vintém
Todo mundo e ninguém
Pé de xique-xique
Pé de flor
Relabucho velório
Videogame oratório
High-cult simplório
Amor sem fim desamor

Sexo no-iê
Oxente oh! Shit
Cego Aderaldo
olhando pra mim, Moonwalkman

Iara Maria Carvalho disse...

clap! clap! clap!

há de virar um livro esse livro do livros dos livros dos livros...

beijos...

Eleonora Marino Duarte disse...

é genial!

um beijo, mestre!

pituleira disse...

Genial,aplausos galera.

Carlos Fialho disse...

É o fim do mundo mesmo!
Um abraço, Professor Moacy!

Anônimo disse...

e o senhor das alturas vislumbrou um anjo muito doido, protetor dos artistas, que parabenizou a humanidade escrevendo o livro dos livros. Amém.
grande texto!
edjane

João Quintino disse...

Moacy,tive pesadelo ao dormir após ler o texto último do Livro dos Livros. Rezei todas as orações que sei para consequir pregar os olhos. Será que nesse livro o mundo ressuscita? Como diria Xuxa, homenageada no Festival de Gramado: "ai, que meda"! Abraço!