quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Foto:
Barbara Taurua


BALAIO PORRETA 1986
n° 2743
Natal, 6 de agosto de 2009

Sou um fruto esquecido
numa árvore morta.
(Sônia BRANDÃO. Solidão, in Pássaro Impossível)


COMO SE FALAVA EM NATAL
NOS ANOS 30 DO SÉCULO PASSADO (1)
Clementino Câmara
[ in A fala proibida do povo, de Geraldo Queriroz, 1989 ]

Abancar-se : Sentar-se
Abusado : Impertinente
Acatruzar : Apoquentar
Afetado : Tuberculoso
Amarrar o bode : Amuar-se
Amunhecar
: Esmorecer e cair
Andar com alguém pelo gogó
: Estar prevenido contra
Andar na lapa do mundo
: Perambular por terrras distantes
Apaideguado
: De grandes dimensões
Apaleio
: Bajulação
Aparar os peidos
: Adular, bajular
Aquilotado
ou quilotado : Experiente
Arrochar
: Apertar com força
Arrumação
: Coisa complicada
Aviar
: Apressar-se, andar depressa com alguma coisa


Memória caicoense, por volta de 1825-1830
O EPISÓDIO DO LOBISOMEM ou DA BURRINHA
Moacy Cirne,
a partir das informações de Manoel Dantas
[ in A invenção de Caicó, 2004 ]

Um certo marido (cujo nome a história não registra) descobriu que a sua mulher - na minha imaginação, mais bela e sensual do que a jorgeamadiana Gabriela, cravo e canela - estava-o traindo com a personalidade mais importante não só da Vila Nova do Príncipe¹, mas de todo o Seridó: o padre Brito Guerra.

O pobre coitado aparentemente não ficou chateado, ao contrário, renegando a tradição dos ancestrais sentiu-se honrado com o fato. Só tinha um pequeno "problema": não gostaria que o vilarejo² tomasse conhecimento das aventuras extraconjugais da mulher. E para que ela pudesse visitar o padre à noite³ sem maiores complicações, num determinado dia da semana, o sujeito criou uma "fantasia" de burrinha, vestindo-a, para espantar os curiosos das ruas escuras do povoado.

Alguns mais medrosos (é verdade, meus amigos, embora seja uma coisa rara, é possível encontrar caicoenses medrosos) juravam que se tratava de um temível lobisomem. O final da história? Um rapaz mais afoito (no caso, Ovídio Gonçalves Vale), depois de ficar pastorando as ruelas do lugar, descobriu a farsa.

O fuzuê deve ter sido hilário, e ao mesmo tempo trágico, até porque o marido foi reconhecido na hora. E, aparentemente, tudo continuou do mesmo jeito. Menos para o padre. Ou para o marido enganado. E se ele gostasse de sua mulher, sentir-se-ia realmente "honrado"? Não terá sofrido com o comportamento da infiel esposa? A verdade é que o episódio da "burrinha" está à espera de um romancista, de um dramaturgo, de um quadrinhista, de um cineasta.

Se eu fosse narrá-lo em forma de ficção, começaria o conto assim:

"Sexta-feira, tarde da noite, cerca de nove horas. Alguns moradores da Rua de Cima apertam o passo, com pressa. A Rua de Baixo já está deserta. A Rua dos Medeiros, a Rua da Fortuna e a Rua do Sol estão quietas, assustadoramente quietas. Tudo e todos são envolvidos pelo mais puro negrume; nem mesmo as profundezas do Poço de Santana parecem ser carregadas de tanto breu. Um silêncio frio como a danação da Morte pousa sobre os telhados da Vila Nova do Príncipe.

Em uma ou outra casa, algumas poucas lamparinas pedem para ser apagadas. Mães amedrontadas abraçam-se aos filhos ou aos esposos. Diante de seus oratórios, oram para Nossa Senhora de Sant'Ana. Depois de oito sextas-feiras consecutivas, será que o fenômeno da maldição noturna se repetirá? No céu, estrelas indiferentes contemplam aquele pequeno mundo perdido às margens do Seridó, do abençoado Rio Seridó.

De repente, o silêncio das ruas é quebrado por um tilintar de chocalhos e gemidos roucos transfigurados pela maldição das trevas, sons pesados como o mais lúgubre dos pesadelos, cada vez mais e mais e mais assustadores. Ratos e cães fogem, apavorados. Morcegos espreitam, à espera do nada. Uivos dilacerantes, desesperados, entre a dor e a angústia, atravessam, então, as sombras da noite. Enquanto isso, no principal sobrado da vila, na Rua de Baixo, as lamparinas continuam mais acesas do que nunca. Há um cheiro de volúpia no ar quente que anuncia mais uma noite de chamas ardentes no pequeno vilarejo.

E há, escondido pela escuridão e pela vergonha, um lobisomem que não quer ser lobisomem. Que deseja apenas ser um homem. Um homem que ama a sua mulher. E que range os dentes, tilitando ferros e amaldiçoando auroras".

Notas:

¹ Vila Nova do Príncipe : Nome imposto pela Corte Imperial a Caicó, e que jamais foi aceito por seus moradores.
² Caicó, na ocasião (1825-1830), não devia ter mais
de 200 ou 220 habitantes.

³ A residência do padre Brito Guerra, o primeiro sobrado da cidade, fora construído em 1810-11. (Cf. foto publicada
no
Balaio de ontem.)

15 comentários:

nina rizzi disse...

moacy,

com exceção do afetado, a gente fala asim no doismilinove da fortaleza-bela.

ssshh! amanhã é sexta! dizem que é bom nadar nua e de costas. mas andando.

beijo.

Grupo Casarão de Poesia disse...

bela postagem, moacy!

por favor, veja novidades do casarão!

beijos...

Unknown disse...

A foto, como sempre paro nela, de Barbara Taurua, revela a beleza da morena brasileira autêntica! Muito linda!

O episódio do Lobisomen e da Burrinha, está fantástico. Uma traição à quatro: o amante padre, o marido, a sensual caicoense, e a burrinha (veste).

Ou seria burrinha porque veste e faz as vontades do marido?

Sua versão está fantástiva!

E hoje tem Flu no Maraca!

Parabéns, Moacy

Beijos

Mirse

pituleira disse...

Moacy, a foto é coisa do outro mundo.Parece que Padre Guerra comia todas.Caicó desde o inicio tem muita melodia.

Marcelo Novaes disse...

Moa,



Esse episódio da Burrinha está muito bem encaminhado... "Honrado?!" Bem..., o padre era notoriedade..., vá lá entender a cabeça daquele avoado do traído...




No mais, a moça da foto é o exemplo máximo de voluptuosidade com economia de curvas. A curva está nos movimentos... Seios pequenos e falsa magreza têm (e como têm...) seu charme.








Abração,









Marcelo.

Adriana Riess Karnal disse...

Ah, essa Caicó cheia de histórias pra contar...

BAR DO BARDO disse...

Tu num nem presta, Moa!
Empesta o brogue na boa!
Sempre uma historieta
e uma rima...

Anônimo disse...

Oi Moacy!
Sodade de mim?
Não estava conseguindo comentar no blog não sei porque.
Tudo ótimo, como sempre, por aqui.
Abrs.

Dora disse...

Moacy. O que gosto é do nome: Balaio Porreta! Porreta é assim...tão porreta! rs
Os outros termos ali, eu já vi sendo usados:"abancar-se"( um professor de português do meu ginásio só nos mandava: abanquem-se!, depois que ele chegava e a gente esperava em pé, ao lado da carteira), "abusado", "arrochar" e "aviar"( meu pai falava direto esse verbo).
Eu sou mulher, mas, admirei a moça morena em todos os detalhes...eita!
O episódio do Lobisomem ou da Burrinha, narrado por você, me lembrou Suassuna...E não é que podia dar filme? Ou quadrnho.
Já espiei muito...aqui...
Abraços.
Dora

Batom e poesias disse...

Histórinha de arrepiar em vários sentido.

bjs
Rossana

Marco disse...

Caro mestre Moacy,
padre que passa o cerol na mulherada não é privilégio de Caicó, nem do Paraguai. Aqui no Estado do rio soube de muitos padres galãs. Eu pensei que você fosse dizer que o filho do padre com a mulher tinha virado lobisomem. De qualquer forma, deu boas risadas com o "causo" (adoro isso!) e o seu princípio de conto está pra lá de bom!
Cabe destacar também a bela morena que enfeita a postagem. Que coisa linda, meu Deus! Com essa aí até o papa pecava!
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Sônia Brandão disse...

Moacy, muito bom ver o meu "Solidão" aninhado aqui no seu Balaio.
Gostei muito da sua maneira de narrar o causo da Burrinha; fiquei aqui imaginando as cenas.
bjs

Jandira disse...

Moacy, gostei do nome do corajoso. Ovídeo. Hilária a história da burrinha. Trágica a ficção.

José Carlos Brandão disse...

Eta burrinha boa!

João Quintino disse...

Moacy, histórias de padres barregueiros já deu até estudo acadêmico aqui no Seridó. Em São João do Sabugi - Sanja, por exemplo, a lenda é do Padre Sem Cabeça, que ainda hoje ronda o beco da Casa Paroquial em busca da escrava com a qual se "acoloiou". Desse, eu vi: em seu testamento, o Pe. Joaquim Félix de Medeiros assumiu dois filhos com a escrava alforriada e justificou o mal feito - ou bem! - com a tão propalada "fraqueza da carne".
Abraço!