terça-feira, 17 de novembro de 2009

Foto:
Rafal Limburski


BALAIO PORRETA 1986
n° 2845
Natal, 17 de novembro de 2009


ensina-me, agora, a fertilidade da alegria.
(Mariana Botelho, in Suave Coisa)


CANÇÃO
Cecília Meireles
[ in Viagem, 1939 ]

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
POEMA
Nydia Bonetti
[ in Longitudes ]

chuva e escuridão
o mesmo céu da infância

... sem lamparinas



Recomendamos a leitura do artigo
PV NO PODER?
QUE NADA, O PODER É DO PTV
- PARTIDO DA TV PONGA NEGRA
de Cefas Carvalho
[ in Noticiando ]


DAS ELEGIAS: DIDÁTICA
João Filho
[ in Hiperghetto ]

O áspero poema? Não mais quero.
O inviável abismo? Já descri.
Foi com inabalável esmero
que duramente me persegui.

Se tudo é insuficiente, espero.
O instante vence o tédio, senti.
Se a valsa mudou-se em bolero
o ritmo pouco importa, vivi.

Pelo tropeço suavizei o passo.
Seu corpo é o sentido que devasso
devagar, como quem respira.

Gota que se equilibra suspensa –
a vida. Mínima que é imensa,
quando pensa que é real, delira.


INFLEXÍVEL
Mariza Lourenço

[ in Blocos ]

às vezes meu corpo despenca
no imaginário de teus versos.

de resto continuo cumprindo a mesma rotina
de cerrar portas e janelas
à aproximação de qualquer rima.



Memória 1993
BALAIO INCOMUN
Folha Porreta
VII / n° 493
Rio, 1 jun 93


O DIÁRIO SECRETO DE LAMPIÃO
(Fonte inicial: Papa-Figo, de Recífilis)

Baixa-da-Égua (24/6/24)
Querido diarim. Hoje tô tão arretado que capei cinco e arranquei as pregas de mais oito cabras que soltaram uma indecência para Maria Bunita. A culpa também foi dela, pra que eu fui deixar a danada passar o carnaval em Olinda? A criatura voltou cheia de idéias, capaz inté de ter fumado maconha por lá. Ainda por cima agora tá achando que tá prenha. Se o minino sair galego eu sangro Corisco. Ou será que ele pensa que num tô notando o jeito que ele vive cubando as entrecoxas de Maria Bunita quando ela tá de cócas. Também ela precisa acabar com essa mania besta de não usar calçolas, parece inté que a sua priquita num tem dono. Tem, sim senhor.

Oiti-da-Mãe-Joana (24/8/24)
Querido diarim. Esse negócio de eu só escrevinhá no dia 24 é coincidência, viu, que eu sou muito do macho. Hoje tô de novo arretado, com vontade de arengar com o primeiro fidaputa que aparecer na minha frente. Corisco tá com jeito de quem tá querendo enfeitar minha testa, mas antes disso eu como os ovos dele com queijo e cuscuz. Aquele galego da pustema num tira o olho da minha nega. Só porque a mulher dele é Dadá ele pensa que toda mulher é só olhar que ela dá dá. Derna que disseram que ele vai aparecer num filme de um tal de Glauber Rocha que Corisco só tá querendo ser o coisa e tal, também com aquele cabelão de frango que ele usa tinha que terminar dando pra artista, viado ou professor da UFF. Vai acabar metido em grevença.

Pau-dos-Ferros-da-Gota-Serena (23/2/25)
Querido diarim. Andando por esse mundão de Deus e do meu Padim Ciço, dá pra perceber, o Brazil tá fudido. Tanta riqueza, tanta miséria e tanto cabra safado sem macheza nenhuma. Será que foi tudo capado? Não sô profeta, mas um dia, lá pelas horizontanças de 89, 91, 93, sei lá quando, machos e fêmeas que ensinam o abecê da filosomia e que trabalham pru guverno federal ainda vão pegar nas armas do saber e abalar o paiz. Maria Bunita e o cabra Leontino concordam comigo. Então, o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão.

Arre-Égua-do-Norte (25/3/25)
Querido Diarim. Hoje dei um trompaço num cabra que se meteu a besta com Maria Bunita. Depois mandei Jararaca arrombar o fi-o-fó lá dele e cortar a macheza do dito cujo. Eu num danço conforme a musga, danço conforme o contravento. Não sô homem pra perder tempo com miolo de quartinha. Por isso mesmo Corisco nunca mais olhou pras pernas da minha bichinha. Quem pode carrega e sai, quem num pode carrega e cai. Quem tem Maria Bunita, tem cheiro e cafuné.

Canapi-da-Bosta-de-Jumento (13/7/25)
Querido diarim. Bem que ocê poderia ser um Diadorim, se bem que Maria Bunita já é a neblina dos meus encantalamentos. Mas um dia um escrevinhador retado de luas e marés ainda vai diadorinhá a vida do grande sertão pra que os outros e muitos outros possam ler e aprender. Num sei se estarei vivo pra ver tudo isso escrito e bem escrito. Mas, num é nada, num é nada, esteja onde estiver, aqui, acolá, além, darei meu sorriso de sartisfação. Afinal, bangalafumenga nenhum, mesmo no Inferno, vai me impedir de continuar macho. A macacada que se cuide. Sei que desgraça pouca é bobagem, mas nos futuros um tal de Fernandim das Alagoas vai querer desgraçar a vida do paiz. É uma pena, já estarei morto, senão cozinhava em azeite de dendê as partes roxas lá dele. Os cabras iam adorar.

[ Texto estabelecido pelo Prof. Jomard Martins Marconi ]

15 comentários:

Mariana Botelho disse...

eita, balaio bão!

Que imagem é essa, minino!?! Que lindo!

E o texto, tá incrível.

obrigada por me permitir pertencer ao balaio. pq claro, já me sinto pertencida.

beijo

Unknown disse...

Moacy e demais amigos:

Considero esse poema de Cecília Meireles de excepcional beleza. Lamento que ele não tenha vindo inteiro, embora compreenda os limites de espaço do blog. Convido todos a lerem o resto do poema, que continua num crescendo de beleza incrível.
Abraços:

Marcos Silva

Moacy Cirne disse...

MARCOS:
O problema já soi solucionado.
Grato pela observação.
Um abraço.

Jefferson Bessa disse...

Linda seleção. Refiro-me também à linda fotografia. D+++

Abraço.

Jefferson

Unknown disse...

Bom Dia, Moacy!

Òtima seleção de poemas. De Cecília à Lampião!

Lampião faz uma falta.....!


Parabéns, amigo!

Beijos

Mirse

líria porto disse...

neblina - essa palavra e me lembro mesmo de diadorim - tem nada mais bonito que o grande sertão!

beleza de balaio - de cabo a rabo

besos

nydia bonetti disse...

tão bom estar aqui hoje, Moacy, neste balaio iluminado... beijo.

Unknown disse...

Impagável o Diário do Lampião.

Jens disse...

Sensacional o Diário de Lampião.

É lampa, é lampa é Lampião
É o rei do cangaço
Delegado do sertão.

Um abraço.

Iara Maria Carvalho disse...

lindo o verso da mariana.

e todo o balaio!

beijos...

Cláudia Magalhães disse...

Ô Balaio porreta de bom! Que seleção gostosa, Moacy. QUE BOM ESTAR AQUI!!!!!! Parabéns!

Um abraço.

nina rizzi disse...

moacy,

os versos da nana já me valiam uma noite. a rotina de marisa um dia todo.

o lampião... bem, eu era a virge maria. de sant'anna. e ele vinha na igreja e eu ali, toda bondosa e que nem um ás de paus há tantos anos, né...

- psiu, lampiããoo.. psiu, ô lampião...

eu era aquela moça daguerreótipa autêntica de lindos seios flácidos lá em cima...rsrsrs (é que, me parece, ela tá olhando no espelho).

e como eu já tou viajando demais, vou indo e deixando meu cheiro...

Mme. S. disse...

Balaio Incomum: ganhei o dia!

Tobias disse...

Muito bom de ler, esse Lampião meio profeta com vocação pra corno e baitola enrustido!

Muadiê Maria disse...

Cecília!