sábado, 6 de fevereiro de 2010

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Ano passado em Marienbad
(Alain Resnais, 1961)
Um filme hipnótico, para ser visto, sentido e contemplado como se fora uma escultura cinética, através das imagens sensíveis (de Sacha Vierny) e de um texto intrigante (de Robbe-Grillet), que, indiretamente, nos remete a uma das obras-primas da literatura fantástica do século passado: A invenção de Morel (Casares, 1940). Não há resposta possível para a questão que percorre o "tecido conteudístico" da obra, entre a sedução e a persuação, com sua estranheza narrativa: afinal os dois (supostos futuros amantes) encontraram-se ou não em Marienbad há um ano atrás? A questão assim colocada implica uma nova pergunta: ela, a mulher, partirá ou não com o suposto novo amante, deixando para trás, naquele luxuoso hotel de matriz barroca, o primeiro amante? Para Robbe-Grillet, o autor do argumento, posssivelmente sim; para Alain Resnais, o diretor, possivelmente não. A rigor, a questão é secundária: o que interessa, em primeira instância, é a fascinante experiência físico-emocional proporcionada pelo filme.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2924
Rio, 6 de janeiro de 2010

Na história do cinema, a bem da "verdade", são poucos os filmes que podem ser considerados estruturalmente "inaugurais". Citemos alguns deles, sem qualquer pretensão crítica (não se trata, evidente, de um "problema" a ser pensado de forma absoluta e/ou irretocável): Intolerância (Griffith, 1916), Nosferatu, o vampiro (Murnau, 1922), Sherlock Jr. (Keaton, 1924), Greed (Stroheim, 1924), Aurora (Murnau, 1927), A paixão de Joana d'Arc (Dreyer, 1928), Um cão andaluz (Buñuel, 1928), O homem da câmera (Vertov, 1929), M, o vampiro de Dusseldorf (Lang, 1931), Um dia no campo (Renoir, 1936), No tempo das diligências (Ford, 1939), Cidadão Kane (Welles, 1941), Laura (Preminger, 1944), Roma, cidade aberta (Rossellini, 1945), La terra trema (Visconti, 1948), Cantando na chuva (Kelly & Donen, 1952), Hiroshima meu amor (Resnais, 1959), Acossado (Godard, 1959), A aventura (Antonioni, 1960), Sombras (Cassavetes, 1960), Ano passado em Marienbad (Resnais, 1961), Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964), Pierrot le fou (Godard, 1965), Andrei Rublev (Tarkóvski, 1966), Crônica de Anna Madalena Bach (Straub & Huillet, 1967), Era uma vez no Oeste (Leone, 1968), 2001: uma odisseia no espaço (Kubrick, 1968). Não são necessariamente os melhores, mas seguramente são alguns dos mais importantes e/ou dos mais emblemáticos.
(Moacy Cirne, 2010)



PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 42 / 43 )
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Coronelismo, enxada e voto (Vitor Nunes Leal, 1949)
A revolução burguesa no Brasil (Florestan Fernandes, 1974)
Capítulos de história colonial (J. Capistrano de Abreu, 1907)
O abolicionismo (Joaquim Nabuco, 1883)
Sobrados e mucambos (Gilberto Freyre, 1936)
A formação das almas (José Murilo de Carvalho, 1990)
O negro no futebol brasileiro (Mário Filho, 1947)
O escravismo colonial (Jacob Gorender, 1977)
Estética e política (Oswald de Andrade, ed. 1991)
Matéria bruta (Romério Rômulo, 2006)


/ POEMA \
Romério Rômulo
[ in Matéria bruta, 2006 ]

a poesia em seu instante de pedra.
barracos desmontam uma memória do ferro.

quando, amplamente, falamos da vida
murmúrios regaçam nossas almas malditas.

somos a face de querer ser noite.


SALMO
Bosco Sobreira
[ in A pedra e a fala ]

Sonhar auroras e debulhar serenos
em cada viga desse deserto de concreto
que me espia
atônito
é minha fortaleza
meu refúgio
minha sina

Madrugo pelos dias
como uma ave sem pena
como uma pena sem dor

(Doer é para os que sabem de verbos)


Blogues do Além
BLOG DO CONFÚCIO
[ in CartaCapital, 21 janeiro 2009 ]

Frases feitas refeitas

Em época de crise, o consumo em geral cai, mas para as minhas frases é época de prosperidade. Sou o mais citado em palestras, em treinamentos motivacionais, em apresentações em PowerPoint de encorajamento.

Confesso que sinto certo orgulho de ver meus pensamentos divulgados em tão diferentes suportes. Eu mesmo sustentei que a sabedoria não tem lugar definido para ser encontrada. Mas vejo que já é hora de atualizar alguns provérbios que cunhei. Nem todos os meus ensinamentos resistiram bem ao tempo. Nem toda frase nasceu para Vera Fischer (essa é nova, pode anotar). O problema não é só meu. Nada resiste por muito tempo: dieta, tratamento de doenças, sistema solar, jogador bom em time brasileiro, blue chip. A lista é grande. Por isso, pare de ficar confúcio (esse trocadilho continua muito bom). O seu velho e bom guia espiritual, seu menu de frases feitas para todas as ocasiões, ganhou mais mil anos de sobrevida.

A melhor maneira de ser feliz é contribuir para a felicidade dos outros. Ajuda muito se a felicidade dos outros puder ser cobrada. Mesmo que os outros nem estejam tão felizes assim como você prometeu. A indústria do entretenimento é basicamente isso.

Ouvir ou ler sem refletir é uma ocupação inútil. Salvo se você for crítico de caderno de cultura de um grande jornal.

Onde quer que você vá, vá com todo o coração. Agora, se você tem pressão alta, não leve tão a sério essas frases de efeito.

A natureza humana é boa, e a maldade é essencialmente antinatural. Mas atente-se para o fato de que a corrupção é antinatural, mas orgânica.

Um homem sem virtude não pode morar muito tempo na adversidade, nem também na felicidade; mas o homem virtuoso descansa na virtude, e o homem sábio a ambiciona. Porém, se o homem sem virtude for muito poderoso ou rico (ou os dois), poderá mudar os conceitos do que é ser virtuoso de tal maneira que ele próprio vire o modelo de retidão.

A arte de liderar: seguir à frente da multidão e ensiná-la a trabalhar. Pagando um salário abaixo do valor de mercado e chamando isso, polidamente, de programa de trainee.

Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha. Mas se você quiser fazer uma cordilheira, é só constituir uma mineradora, abrir o capital e pegar um punhado de cada um de uma montanha de gente.

Algum dinheiro evita preocupações; muito, as atrai. Atenção: o muito é muito mesmo. Não vá ficar contente com a merreca que você tem no banco.

O sábio sabe que ignora. Isso não vale para o caso de você saber que sua mulher anda aprontando e fazer olho branco. Aí é burrice mesmo.

Pergunta-me por que compro arroz e flores? Compro arroz para viver e flores para ter algo pelo que viver. Já o Lula diria: “Não pergunte nada. Compre arroz, flores, carros. Isso é bom para a economia”.

Escolha um trabalho que você ame e não terás de trabalhar um único dia em sua vida. Mas verifique se você tem o biótipo adequado para ser ator de filme pornô.

9 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Caro Moacy,
Sobre Ano Passado em Mariembad, você falou em texto intrigante (de fato, é), e eu acrescentaria, instigante. É daquele tipo de filme, do qual você não sai do cinema indiferente. Você vê que nem Resnais, nem Robbe-Grillet estão de acordo quanto à interpretação daquele caso amoroso. Apesar de reconhecer a sua grandiosidade, sou mais Hiroshima, meu amor. Sobre a sua lista de filmes "estruturalmente inaugurais", eu acrescentaria A Regra do Jogo, o primeiro que me vem à cabeça. Sobre o qual disse Truffaut que ele e Cidadão Kane foram os filmes que mais influenciaram cineastas. Um abraço.

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Mestre, fizeste um ótimo comentário sobre Ano Passado em Marienbad. Gosto do filme. Do seu apuro técnico e dos textos(narração/diálogos). Dos filmes inaugurais, vi uma penca. Todos obras-irmãs. Os poemas do Romério e do Bosco são supimpas. Abração.

Bené Chaves disse...

Moacy: lembro de quando conseguiram uma cópia do filme do Resnais e a exibiram na Aliança Francesa que ficava na av. Deodoro. Isso em setembro de 1967. Depois houve outra exibição, se não me engano, no teatro Alberto Maranhão. Foram os meus primeiros contatos com 'O ano passado em Marienbad'. Porém contatos somente visuais, já que a cópia era no original.
Anos depois vi o filme por inteiro. E ele continuou a me deslumbrar. Juntamente com 'Hiroshima...'(que tenho uma simpatia melhor), é um marco do Cinema Universal.

Um abraço...

Unknown disse...

Um filme sem senões, o Ano passado do Resnais. Dois poemas também, do Romério e do Bosco. Abraço.

Bosco Sobreira disse...

Meu caro Moacy,
Bom demais poder estar entre os bons.
Bomdemais estar no Balaio!
Obrigado. Sempre.
Forte abraço.

romério rômulo disse...

moacy:
muito obrigado pela publicação do poema e pela referência ao matéria
bruta.
romério

nina rizzi disse...

vc deu um tiro antes de mim: mariembad e cásares, mas eu não vou deletar meu futuro por isso, nãnão; eu vou me filmar aí dentro, mesmo que isso me custe as verdades de uma de mentiras: todo és mentira desse mondo, la verdad.

olha, eu tou até agora pisando as nuvens do bosco, cacilda que poema!

um beijo de são gonçalo do amarante, ô cidade linda que só.

líria porto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
líria porto disse...

nossa, meu comentário estava pra lá de confuso, então, de novo:

"doer é para quem sabe de verbos"

tenho à minha frente o "coronelismo, enxada e voto" - é minha próxima leitura!

besos