segunda-feira, 30 de abril de 2007

ABC... BC! BC!
Projeto inaugural: 2006

Ribamar,
Toré e Biró;
Badidiu, Piromba e Tio Silvino;
Mota, Jorginho, Delgado, Cocó e Nogueira.

Jônatas,
Elói e Dorcelino;
Ubá, Mário e Potengi;
João Acioli, Jarbas, Deão, Rodolfo e Dácio Galvão.

Dosinho,
Tatá e Piaba;
Carlos Zens, Henfil e Pablo;
Marlon, Renato, Roberto, Tidão e Paulo Isidro.


Nota:
O ABC sagrou-se campeão potiguar, ontem, no Frasqueirão, ao vencer o América por 5 a 2.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2007
Rio, 29 de abril de 2007


O DIARIM DE MARIA BUNITA - VI
(Divulgação: Menina Arretada do Seridó)

Meu diarim quirido

onte, pur essas banda, apareceu uma cigana arretada de boa. Leu minha sorte e qui meu capitão num saiba, ela disse qui vai aparicê dois homi na minha vida: um tar de Bralho e um tar de Alequici. Dois homi muito do danado. Eita bixiga, cum mais dois qui é o capitão, meu amô verdadêro e o diabo lôro, tô lascada pra dá conta de tanto macho. Será qui esse Alequici é o mermo do tar Beco da Lama? Sei não diarim, tô até cum medo de aparicê pros lados do Rio Grande. E se eu me apaxoná pur essa vida cum esses minino de lá? Ói qui num é todo homi qui assumi uma muié qui nem qui eu não, cheia de facêrice. Tem qui ser muito homi, muito macho, viu seu Alequici. Num sei se ocê dá conta do recado não... Meu capitão sim, aquele lá, é homi indo e vortando... aquele num fracatêa de jeito nenhum, e tem mais, viu, topa qualqué furdunço, infrenta qualqué intrupisso.


UMA HISTÓRIA DE FUTEBOL

O Benfica de Lisboa promoveu um concurso para escolher um ponta-direita para seu time. Vários candidatos se apresentaram numa acirrada disputa pela vaga e pelo contrato. Durante um mês foi um interminável desfile de pretendentes e no final ganhou um jovem de 19 anos e de bom futebol. Ganhou e sumiu. Procura daqui e dali, nada do ponta. Até que uma tarde ele reaparece, mas vestido de padre com coroinha e tudo.

-- Ué, mas você é padre? - estranharam.

-- Não, isto é, não era - respondeu o ponta. -- Acontece que eu tinha tanta vontade de ganhar que fiz uma promessa a Nossa Senhora: se fosse o vencedor entraria para um convento. E lá estou.

[ in Histórias de Sandro Moreyra. Rio, 1985, p. 66-67 ]

sábado, 28 de abril de 2007

Poema/processo
DADÁ PRA CÁ, DADÁ PRA LÁ
Moacy Cirne
[ Projeto inaugural: 1992, in Balaio 431 ]

leia JOYCE como se estivesse lendo KAFKA
veja FELLINI como se estivesse vendo MIZOGUCHI
ouça MOZART como se estivesse ouvindo COLTRANE
use REMBRANDT como se estivesse usando DUCHAMP
leia JOYCE como se estivesse ouvindo COLTRANE
ouça MOZART como se estivesse vendo MIZOGUCHI
veja ZILA MAMEDE como se estivesse usando KAFKA
use REMBRANDT como se estivesse sonhando com BACHELARD
ouça JOYCE como se estivesse ouvindo ANTONIONI
assuma JOSÉ BEZERRA GOMES como se estivesse
como se estivesse
metaplagiando FALVES SILVA
e JOTA MEDEIROS
e AVELINO DE ARAÚJO
e ANCHIETA FERNANDES
e DAILOR VARELA
e JORGE FERNANDES

ao som de PEDRO OSMAR e HERMETO PASCOAL
e CLAUDIO MONTEVERDI


BALAIO PORRETA 1986
nº 2006
Rio, 28 de abril de 2007


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
666 livros indispensáveis (13/111)

Prelúdio e fuga do real, de Luís da Câmara Cascudo. Natal: Fundação José Augusto, 1974, 365p. [] Seria este livro "um estranho no ninho" na obra cascudiana? Seria este título uma simples brincadeira do Mestre Cascudo? Nos dois casos, talvez sim, talvez não. Talvez, talvez: o humor em releituras intensas que revelam a grande erudição do humanista Cascudo. Uma certa bizarrice intelectual poderia soar como provocação; talvez o seja. Uma certa voltagem erudito-literária poderia soar como pedantismo; talvez o seja. Mas o livro, a merecer uma edição mais cuidada, mais planejada, mais enriquecedora, paira sobre todos nós, altivo e inquieto, enigmático e imprevisível. Como disse o agitador cultural pernambucano Jomard Muniz de Britto, depois de classificá-lo de estranho e complexo, aqui, neste particular título, "Por dentro das impossíveis lacanagens, nabucanagens e outras esquisitofrenices", Mestre Cascudo, ímpar como sempre, muito além da etnografia e do folclore, "penetrou de corpo e alma -- e não apenas surdamente como Drummond -- no reino das palavras e dele nunca mais desejou fugir para outras ilhas de documentação ou arquipélagos de vã sabedoria" (cf. Dicionário crítico Câmara Cascudo, de Marcos Silva, org.).
Terceira aquarela do Brasil, de Jomard Muniz de Britto. Recife: Ed. do Autor, 1982, 107p. [] Um subtítulo programático que revela os segredos da pernambucália recifilense: Texto de humor e horror com acessos líricos sob o trópico de pernambucâncer. Já o dissemos em publicações remotas: "A prática intelectual de Jomard Muniz de Britto tem sido, a partir da tropicália, e sempre de forma provocadora, uma intervenção crítica e criativa nos quadros culturais da pernambucanagem. Sua atuação, seja como professor, seja como teórico, seja como autor de super-8 [seja ainda como poeta maldito, acrescentamos agora], é a de um animador cultural". Arauto da contraliteratura, JMB resiste ao tempo e ao vento: a bravura ímpar de uma escridura vivencial. Ou seja, uma escrita vivenciada sob o signo da existencialidade capaz de recifernizar, de forma dura e (im)pura, a deglutinação antropofágica de todas as palavras, de todas as imagens, de todos os sons e de todos os (sub)textos. Como no poema que segue, extraído da pág. 11, com suas marcas da ditadura que nos ameaçava com sangue, suor e porradas:

o brasil não é o meu país: é meu abismo.
o terreiro de minhas, nossas contradicções.
é meu câncer coletivo
e a força luminosa da escuridão.
é nosso discurso interrompido
sufocado e
arrebentador
.

Ou mais adiante, à pág. 61:
o brasil não é o meu país: é nossa esquizofrenia.
é o medo de sempre
doendo e até anestesiando.
é o gozo de sempre
roçando e até nos enganando.
é o carnaval no futebol das religiões.
é o terror de outrora
ainda agora despedaçando
mentes e culhões
.
(...)
Livro geral, de Carlos Pena Filho. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, 123p. [] Reunião de sua obra publicada até então: O tempo da busca, Memórias do boi Serapião e A vertigem lúcida, além de sua produção inédita -- Nodesterro, Cinco aparições sem data e Guia prático da Cidade de Recife (que contém os famosos versos: "Porisso no bar Savoy, / o refrão é sempre assim: / São trinta copos de chopp, / são trinta homens sentados, / trezentos desejos presos, / trinta mil sonhos frustrados". (Nunca mais estive no Savoy; será que ele ainda existe? Será que continua o mesmo?). A verdade é que o pernambucano Carlos Pena Filho (1929-1960), pouco conhecido no Sul Maravilha, é um dos maiores poetas líricos do país em todos os tempos. Sobre ele nos disse outro grande poeta da pernambucália tropical: "Escrevo esse nome -- Carlos Pena Filho -- e estou certo de que o inscrevo na eternidade. Pois me parece impossível que as presentes e as futuras gerações esqueçam o poeta encantador, tão cedo e tão tragicamente desaparecido" (Manuel Bandeira). Uma poesia (talvez) oceânica, como o mar de Olinda e Recife. Eis um exemplo de sua poeticidade:

Deu-lhe a mais limpa manhã
que o tempo ousara inventar.
Deu-lhe até a palavra lã,
e mais não podia dar.

Deu-lhe o azul que o céu possuía
deu-lhe o verde da ramagem,
deu-lhe o sol do meio dia
e uma colina selvagem.

Deu-lhe a lembrança passada
e a que ainda estava por vir,
deu-lhe a bruma dissipada
que conseguira reunir.

Deu-lhe o exato momento
em que uma rosa floriu
nascida do próprio vento;
ela ainda mais exigiu.

Deu-lhe uns restos de luar
e um amanhecer violento
que ardia dentro do mar.

Deu-lhe o frio esquecimento
e mais não podia dar.

(As dádivas do amante, p.75).
Dom Casmurro [1899], de Machado de Assis. Rio de Janeiro: INL / MEC, 1969, 255p. [Livro adquirido no Sebo Vermelho, em Natal.] Já se disse tudo sobre Machado? Talvez sim, talvez sim. Já se disse tudo sobre Dom Casmurro? Talvez, talvez. E sobre Capitu, tudo já se disse? Talvez não, talvez não. Mas o livro, mais de 100 anos depois de lançado, continua vigoroso, continua sublime, continua envolvente, literariamente envolvente. E esta não é uma edição qualquer; é a edição crítico-filológica da Comissão Machado de Assis do Instituto Nacional do Livro. Que revela a seguinte curiosidade: "Pelo que a pesquisa bibliográfica pode até agora assinalar, não provocou o livro uma grande mobilização da crítica. Entretanto, em poucos dias, esgotaram-se dois mil exemplares, e Dom Casmurro é, certamente, até hoje, dos romances da segunda fase de Machado de Assis, o que tem tido maior receptividade popular" (p.15). Durante muito tempo, em plena fase natalense, na primeira metade dos anos 60, preferíamos Memórias póstumas de Brás Cubas; hoje, relido os dois, cada vez mais a história de Bento, Capitu e Escobar domina as emoções literárias que fazem da nossa Biblioteca uma Biblioteca de prazeres incontáveis. Simbólica e misteriosamente incontáveis. Somente numa imaginária e encantatória São Saruê poderemos mapeá-la em intermináveis auroras marcadas pelo lirismo e pela embriaguez da própria Literatura.
As cidades invisíveis [1972], de Italo Calvino. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, 160p. [] Quem não gostaria de conhecer uma cidade chamada Valdrada, à beira de um lago mágico? E Zobeide, com sua luz e suas ruas mais brancas do que o mais branco azul do mar profundo? Zenóbia, com suas casas de bambu e zinco, seria uma cidade ou o leite da mulher amada? Nada como uma faceira Maurília, com suas deusas fantasiadas de bruxas enlouquecidas pelas tardes ensolaradas de janeiro, fevereiro e abril. E o que dizer da bela Raíssa, da bela Berenice, da bela Teodora, cidades que se ocultam entre pássaros e arvoredos mágico-tropicais? Eutrópia (e seu deus dos volúveis) tem algo de trágico; Sofrônia (e seus frontões de mármore), algo de melancólico. Como passear pelas ruas aterradas de Argia sem conhecer os textos ficcionais de Camus, Kafka, Nei Leandro de Castro e Moacir C. Lopes? Como olhar para a solene Pirra sem deixar de lado as cidades do meu Seridó? Um lugar chamado Ândria não pode ser um lugar qualquer: seus mistérios insondáveis escapam à compreensão humana. E a aquática Esmeraldina não seria uma cidade dos mil e um sonhos transfigurados pelas dunas vermelhas de Natal, por onde não passaram rebanhos e tristes nuvens, nuvens tristes? Há também, neste livro de Calvino marcado pela surpresa e pela engenhosidade, uma Olinda, sim, uma Olinda invisível para a nossa imaginação, com suas velhas muralhas de alfenim. Mas que Olinda é esta, sem frevo e sem maracatu? José Cláudio, Celso Marconi e Alceu Valença, respondam-me, por favor: que Olinda é esta, tão longe do Recife, tão longe de suas igrejas seculares? Deve ter sido a água do Poço de Santana que fez o escritor italiano delirar ao criar suas cidades invisíveis. Sim, é verdade, é verdade: este livro foi concebido em Caicó, quando de sua temporada seridoense nos idos de 1970-71. Só assim se explica como foi possível criar tantas cidades em uma só, pois, no fundo, no fundo, Calvino estava pensando mesmo era na múltipla e encantatória Caicó quando o escreveu de forma tão exageradamente poética. Os historiadores Olavo de Medeiros Filho e Muirakytan Macedo, além do médico Oberdan Damásio, caicoenses cabas da peste, confirmaram-me o fato. Afinal, bem antes, assegura o citado Muirakytan Macedo, Joyce só escrevera Dublinenses depois de ter passado uns dias na antiga Vila Nova do Príncipe, no início do século passado, hospedado no sobrado do Padre Brito Guerra. Ao que consta, segundo as crônicas da época, teria ficado maravilhado com rapadura, queijo de coalho e canjica. E só dormia em rede bordada com os crepúsculos barrocos da região.
Correspondência
SOBRE ITALO CALVINO EM CAICÓ


Considerando que esta obra já apareceu na série Livros para São Saruê, quando fizemos referência à presença de Italo Calvino em pleno Seridó, republicamos também, por sua atualidade, a mensagem do historiador caicoense Muirakytan Macedo, um valente sertanejo das lutas acadêmicas:

Olá, Moacy,
Ando lendo o
Balaio e me deparo com o Calvino em Caicó. Verdade da mais pura. Ultimamente pesquisando na Biblioteca Olegário Vale encontrei um texto manuscrito assinado com a sigla I.C. Metade do texto é escrito em espanhol e a outra em italiano. O autor, que imagino ser o ítalo-cubano citado, rascunhava sobre a descoberta que tinha feito de uma aldeia sob uma imensa pedra no Poço de Santana. O acesso a esta aldeia foi relatado a ele por um apressado mocó que olhava um relógio esquisito e dizia a todo momento que estava atrasado. Depois de tomar uns chás de jurema nosso autor encolheu e se esguirou por uma loca que deu nessa aldeia liliputiana. Lá ele encontrou Marco Polo em pessoa; claro, bem velhinho e mentiroso como o quê. O resto da história é de domínio público, como você já sabe. A aldeia existe sim. Mas eu ainda não tive condições de entrar nela. É que sou alérgico a chá de jurema e, convenhamos, estou muito acima do peso para ser tolerado nestas experiências de encolhimento.
Abração saudoso
Muirakytan

sexta-feira, 27 de abril de 2007

RELENDO MAIAKÓVSKI

À luta
À luta
À luta
que a inércia
é o reduto dos acomodados.

[ Moacy Cirne, in Balaio 1286 ]


BALAIO PORRETA 1986
nº 2005
Rio, 27 de abril de 2007


EROTIKA
Poema de Sérgio Sant'Anna (MG/RJ)

Todas as noivas são puras
e delicadas
como avencas na sombra.
E carregam em sua mala de núpcias
batom, perfume, calcinhas
e mistério.

[ in Junk-box (1984). Sabará, 2002 ]


MAIS UMA OBRA-PRIMA DE CASSAVETES

A partir de hoje, no Paissandu, teremos a oportunidade de (re)ver Faces [1968], uma das obras-primas do cineasta norte-americano John Cassavetes, com John Marley, Gena Rowlands, Lynn Carlin, Seymour Cassel e outros. "Cada personagem, cada sentimento, ele [Cassavetes] perscruta com verdadeira curiosidade, de modo a conferir não apenas um relevo, mas talvez acima de tudo uma textura. Os muitos closes não são, portanto, mera convenção dramática; eles não enfatizam nada: apenas acolhem os rostos, mostram. /.../ Não estamos, porém, diante de um filme sádico sobre o subúrbio endinheirado. Pois Faces é, sobretudo, um enorme elogio à vida; é um filme de adesão às coisas e pessoas. A câmera, de fato, procura, parece querer grudar nos rostos. Não como forma de arrancar à força o sentido das coisas, de impor uma vontade sobre o mundo. Mas antes de opor a um mundo de coisas fixas (no cinema e na vida) sua suposta falta de ritmo, o desequilíbrio da narrativa clássica" (Juliano Tosi, in Paisà). Em outras palavras: imperdível. Simplesmente imperdível.


HUMOR

Charles sempre foi um sujeito brincalhão. Sua mulher é que nunca entendeu muito bem as ironias dele. Certo dia ela embarcou para a Inglaterra, em viagem de negócios. E lhe perguntou:
-- Quer que eu traga uma lembrancinha?
-- Sim. Me traga uma inglesinha -- disse ele.
A esposa, como sempre, não disse nada. E embarcou. Um mês depois, ela voltou e o marido foi dar as boas-vindas no aeroporto:
-- Trouxe minha lembrança, querida?
-- Bem, eu fiz o que pude -- respondeu a mulher. -- Agora vamos ver se nasce menina.

[ in Playboy. São Paulo, abril de 2002 ]


Mais do que nunca,
É PRECISO RESGATAR O SONHO, É PRECISO RESGATAR A POESIA

[ in Folhetim. Boletim da Chefia do Dpto. de Comunicação da UFF, 5/4/2000 ]

quinta-feira, 26 de abril de 2007

POEMA de
CHICO DOIDO DE CAICÓ
[RN]
[Dedicado a José Limeira]

Prezada Dona Chica de Igapó:
Venho, de novo respeitosamente,
Com a minha filosopotia pai d'égua,
Solicitar a tua quente goiabinha
Para o meu particular uso e abuso.
Prometo que saberei borogodeá-la
Sem mais, sem menos, sem talvez
Pelo menos uma vez por mês
Limeirando uma, duas ou três.
Do teu Chico que nasceu em Caicó
País de cabra macho e de jumentos
Que adoram apreciar o luscofusco
De tangerinas e lobisomens. Arre égua,
Acabo de me lembrar agora: o Peru
Ganhou a guerra da Coréia
Com a força de sua idéia.
Passa, passa, passatempo,
Tempo, tempo, passa lento,
Jesus Cristo nasceu em Caicó
E morreu em Jardim do Seridó
Assim diz o Novo Testamento.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2004
Rio, 26 de abril de 2007


GLOSSÁRIO NORDESTINO

Abestado : Tolo, abestalhado
Abufelado : Irritado, puto da vida
Afogar o jegue : Trepar, fuder, champrar
Afuleimado : Valentão, briguento, nervosinho
Agora deu! : Essa não!
Alcane : Pênis, jiribaita, maçaroca
Amufambado : Escondido, entocado
Arretado(a) : Coisa boa
Atucanar : Azucrinar, encher o saco
Avexado : Encrencado, aperreado
Avexar : Apressar, dar urgência
Azuladinha : Cachaça, pinga, mata-bicho, mandureba

[ in Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro ]


TROVAS E TROVOADAS
de LUIZ FRANCISCO XAVIER (DEDÉ),
POETA POPULAR DO RIO GRANDE DO NORTE
EM LIVRO EDITADO EM 1996


Mote:
Tem sinônimo adoidado
o ânus que a gente tem.

Glosa:
Furico, boga, frezado,
é roda, rabo, roscofe,
ás de copas, rosa-bofe,
tem sinônimo adoidado.
Bumbum, isqueiro, rosado,
bufante, bunda, xerém,
traseiro, frasco e sedém,
é apelido pra chuchu,
também chamado de cu
o ânus que a gente tem.

Mote:
Tomei cachaça no céu,
Lá no hotel de Jesus.

Glosa:
Levando um litro de mel
dessa abelha italiana,
com muita santa bacana
tomei cachaça no céu.
Aprontei, fiz escarcel,
dancei com defuntos nus,
quebrando a famosa cruz,
os anjos bateram palmas.
Sonhei mais cantando as almas
lá no hotel de Jesus.

[ in Balaio Incomun 1273, de 26/04/2000]


POEMA de RONALDO SANTOS (RJ)

um lance de dados jamais abolirá os doidos
um lance de doidos jamais abolirá os dados

[ Releitura de
um lance de dados jamais abolirá o acaso (Mallarmé),
in Poesia jovem: Anos 70, de Heloísa Buarque de Hollanda & outros, 1982 ]

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Repeteco / Memória 1993

BALAIO INCOMUN
Folha Porreta
Moacy Cirne
VIII / 577
Rio, 9 dez 93



O BALAIO ADVERTE:
ESTE NÚMERO NÃO É RECOMENDÁVAL
PARA CONSERVADORES E PSEUDOMORALISTAS

[] UM TEXTO DUCARALHO,
DE AUTORIA ANÔNIMA,
PRODUZIDO POR ALUNAS DA UFF
[ do Curso de Farmácia ]

Verbete da gota serena:

PAPACUS BRASILIENSIS PENETRATTIS (Família dos Bucetivacus). -- Animal carnívoro, de tamanho variável, muito voraz, porém cego. Habita em lugares úmidos e de vegetação rasteira. Possui sob o pescoço uma espécie de sacola, onde carrega o seu estranho veneno que, ao invés de matar, cria vidas. Agressivo e perigoso quando provocado, é de fácil domesticação por mulheres pacientes e carinhosas.

Exímio pescador de piranhas, alimenta-se também de pombas e galinhas; há aqueles que preferem frangos e veados. Em certos dias, estando difícil a caça, atrasando, conseqüentemente, sua alimentação, é atacado por uma doença marcada pela ansiedade que o faz babar durante o sono, o que é normal nesta espécie.

É um animal de trato melindroso; até a imaginação excita-o. Se receber muito cafuné, assanha-se como se estivesse irritado, erguendo-se com os músculos tesos. O sangue sobe-lhe à cabeça, então. No auge da excitação, chega ao ponto de cuspir constantemente. Se ficar muito tempo sem tomar banho, adquire no pescoço um sebo de odor fétido e insuportável, que acaba por espantar a caça. Fato curioso é que sua carne quanto mais dura mais é apreciada; contudo, é o leite desse animal que mantém até hoje a humanidade.

Em estado adulto adquire espessa juba, revolta e sedosa, que o destaca de qualquer outro animal. Após os 60, 70 ou 80 anos, de acordo com a natureza do bicho, torna-se eventualmente inofensivo; não baba, não cospe, ficando triste e cabisbaixo, nada mais levantando, nada mais comendo.

O papacus brasilensis penetrattis é conhecido por vários nomes: aço, badalo, bibico, bilunga, biscoito, bitoca, borracha, cajado, catrino, caralho, caralhau (em Chico Doido de Caicó), cacete, careca, carimbo, catatau, chibata, cipó, cobra, dardo, engate, espada, esguicho, espiga, estaca, estoque, espeto, estrovenga, farfalho, fariseu, ferrão, frangalho, fodecu (em Chico Doido de Caicó), gaita, ganso, gregório, inhame, jacarandá, jeba, jamanta, jiribaita, lança-perfume, langanho, macaxeira, mangará, manjuba, miraguaia, nervo, passarinho, pau, pica, picaralho (em Chico Doido de Caicó), piroca, poste, prego, quiabo, ripa, rola, serpente, são-longuinho, sipaúba, sulambra, torongo, totoca, traíra, trangolho, treco, tripa, troçulho, tubiba, vara, ximbório, zeca, zé-cego, zé-fidélis, zezinho.

Nota:
O presente texto foi adaptado pelo Balaio, que, para completar, acrescentou o último parágrafo, a partir de dicionários populares existentes no mercado brasileiro.

terça-feira, 24 de abril de 2007

VÉU

(de JEANNE ARAÚJO, RN,
inaugurando o seu blogue)

Se todas as dores
precederam a minha,
o que me adianta
ser tão comedida?
me escondo dos claros
que há nos dias,
ponho o véu no rosto
e cubro meus pequenos sóis.
no entanto, que mal há
em ser desgarrada,
travestida na noite,
estrela enluarada?
que mal há em ser
mulher inteira,
sem eira nem beira,
em plena madrugada?


BALAIO PORRETA 1986
nº 2003
Rio, 24 de abril de 2007



Memória
NOS TEMPOS DA CENSURA

A revista Veja, de São Paulo, já foi séria. Parece mentira, mas é verdade. E, como outros veículos da imprensa brasileira, sofreu um bocado na época da censura sob o governo militar instalado no país em 1964. E, como outras publicações, procurava passar para os leitores - através de artifícios variados - o fato político de que estava sendo censurada.

Depois do golpe do Chile (setembro de 1973), quando seu diretor era o jornalista Mino Carta (o mesmo que hoje edita a excelente Carta Capital), ou mais precisamente no final de fevereiro de 1974 (nº 286), a revista da Ed. Abril resolveu fazer uma longa matéria sobre a situação no país andino. A matéria saiu toda truncada, naturalmente. Por obra e graça da censura, claro.

Como denunciar que a matéria fora "recortada" e "manipulada" pela censura?

A solução, bastante criativa, deu-se no número seguinte, o 287, do dia 6 de março. (Na capa, foto da ponte Rio-Niterói.) E ela veio por meio de um expediente simples, de fina ironia, que escapou à vigilância boçal dos censores de plantão na redação do periódico. As primeiras Cartas divulgadas davam, indiretamente, o recado ao leitor. Vejamos algumas delas, 33 anos depois:

Sr. diretor: A respeito da reportagem "O longo drama chileno" (VEJA nº 286), gostaria de observar o seguinte: o Chile é um país comprido.
José Roberto Guzzo, redator-chefe da revista VEJA
São Paulo, SP

Sr. diretor: Faltou destacar na reportagem sobre o Chile que ele tem a sua extremidade norte no norte, e sua extremidade sul no sul.
Sérgio Pompeu, redator-chefe da revista VEJA
São Paulo, SP

Sr, diretor: Relendo meu artigo sobre o Chile, me parece imprescindível acrescentar que uma parte da população mora em cidades grandes, outra parte mora em cidades médias e uma terceira mora em cidades pequenas. Além disso, há também uma quarta e última parte que não mora em cidades.
Dorrit Harazin, editora internacional da revista VEJA
São Paulo, SP

Sr. diretor: Como leitor assíduo de sua prestigiosa revista, sinto-me compelido a observar que o Chile tem uma população composta por homens, mulheres e crianças, dado omitido na reportagem do nº 286.
Roberto Pompeu de Toledo, editor-assistente da revista VEJA
São Paulo, SP

Sr. diretor: Em nenhum momento, ao longo de toda a reportagem sobre o Chile, fica suficientemente claro que a palavra Chile se escreve com cinco letras, a saber: C, H, I, L, e E.
Paulo Totti, chefe de reportagem da revista VEJA
São Paulo, SP

domingo, 22 de abril de 2007

DOIS POEMAS de
CHICO DOIDO DE CAICÓ (RN)

Sonhei um sonho arretado:
As raparigas de Maria Boa
Me lambiam
Da cabeça aos pés.
Quando acordei
Lampeão Virgulino
Me olhava com olhos
De poucos amigos.
Caguei-me todinho.

* * *

Muitos são doutores em astrologia
Alguns são doutores em politicagem
Outros são doutores em teologia
Vários são doutores em viadagem
Chico Doido é doutor em bucetologia
Os demais são doutores em sacanagem.

[ in 69 poemas de Chico Doido de Caicó.
Natal: Sebo Vermelho, 2002 ]


BALAIO PORRETA 1986
nº 2002
Rio, 23 de abril de 2007



O DIARIM DE MARIA BUNITA - V
(Divulgação: Menina Arretada do Seridó)

Ôje fiquei toda arrupiada, quirido diarim. Pois num é qui o Capitão me garrô pur trais e sapecô um xêro tão aprumado no meu cangote qui mais um pouquim e eu me desmanchava toda. Inté me isquici qui existia o carnavá de Olindra e tumbem daquele danado de diabo lôro. Só não consigo isquecê mermo é do tá do beco da lama, me contaro que lá é um lugar muito ótimo e, pode inté parecer frescura, mais tô precisando de gente que endireite direitim o meu califon e as minhas calçolas, apois o capitão pra isso é mei desajeitado. E uma fême, mesmo sendo cangacera como sô, pricisa de certas mulerices, né não diarim? O diacho é qui a capitá do Rio Grande é longe pur dimais. Vô tê que isperá qui o Capitão resolva invadi e faça istrupulia numa cidade qui tem o nome parecido com Moxotó, Mororó, Mossoró, uma coisa assim, e qui fica pertim da capitá. Enquanto o capitão vai si diverti com as donzela de lá, peço licença a ele pra conhecer o tá beco tão famoso. Parece que a coisa é certa: Jararaca garantiu pra ele qui a tá cidade de nome isquisito mais bunito é a coisa mais fáci do mundo de conquistá, inquanto ele conquista Moxoró, eu conquisto os minino do beco, ah, conquisto sim diarim, e pode apostá, eles num vão mais nunca me isquecê, vão não.

sábado, 21 de abril de 2007

RECOMENDAMOS ESPECIALMENTE: Mais um número da revista paulistana Paisà, o oitavo (nas bancas e livrarias), editada por Filipe Furtado e Sérgio Alpendre, destacando, de forma particular, o cinema – extraordinário – de John Cassavetes. O Tops Especial da vez é o filme de terror feito nos Estados Unidos da América da Morte. O trocadilho, aqui, faz sentido. Há, entre outros assuntos de real interesse para todos nós, um bom texto de Sérgio Alpendre sobre Serras da desordem (André Tonacci). Enfim, uma revista cada vez melhor. Para maiores contatos, eis o emeio da turma: revistapaisa@revistapaisa.com.br (ou, melhor ainda, clique aqui para ver a sua versão eletrônica).

BALAIO PORRETA 1986
nº 2001
Rio, 21 de abril de 2007


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
666 livros indispensáveis (12/111)
Era uma vez Eros, de Nei Leandro de Castro. Rio de Janeiro: Lidador, 1993, 90p. [] Provavelmente, o mais belo livro de poemas eróticos publicado no Brasil, até o momento. Ou, ao menos, um dos mais bem realizados, temática e formalmente, dentro de uma perspectiva poeticamente estrutural. Aliás, trata-se de obra de expressiva feitura, seja qual for a vertente significante de seus impulsos literários. “Uma bela e ardente poesia”, como dizia Carlos Drummond de Andrade, referindo-se à bibliografia anterior do poeta potiguar. Aqui, temos a reunião – belamente ilustrada por Mem de Sá – de três livros: Uma nova zona erógena, Era uma vez Eros (inéditos) e Zona erógena (1981). O cuidado verbal, o apuro semântico-sensual, o verso na medida certa da tensão e da contensão fazem do presente livro um manjar (literário) dos deuses. O jornalista Luiz Lobo resumiu-o bem: “E assim, sem cerimônia e falsos pudores, com amor e humor, velho fauno bom de posições e cantatas, Nei Leandro tem uma musa nada ostusa e é capaz de compor escargots de pêlo e de reinventar a zona erógena”. São muitos os poemas de alto nível que se encontram neste volume. Basta ver, para exemplificar:
Amor Amora
Me lembro que trazias na boca
o gosto e a cor de uma fruta selvagem:
amor? amora?
Me lembro de tua calcinha
suavemente encharcada
que deixava teu leite
nos meus dedos.
Me lembro do teu beijo
com o exato gosto da amora
e me lembro que eu dizia aos teus ouvidos
todas as palavras que os deuses
permitem a um amante dizer a outro amante
na manchada planície de uma cama.
Me lembro que te lambia,
te mordia, te feria. E não cedias.
(p.38)
Les fleurs du mal [1857], par Charles Baudelaire. /Edition du centenaire./ Paris: Jean-Jacques Pauvert, 1957, 466p. [Volume adquirido no sebo Luzes da Cidade, em Botafogo, Rio.] O livro inaugural da poesia moderna em se tratando da história literária do Ocidente, para se dizer o mínimo dos mínimos. E para se dizer tudo. Ou mais alguma coisa, pois “J’ai plus de souvenirs que si j’avais mille ans”. Obra bastante cultuada por escritores, poetas e anarquistas das mais variadas tendências políticas e sociais. Em nossa opinião crítico-afetivo- libertinária, um dos 20 ou 30 maiores livros de todos os tempos. Simplesmente indispensável em qualquer boa biblioteca. Vejamos, como simples exemplo, os quatro versos inicias de um de seus poemas mais conhecidos, o Spleen – LXXXVIII:
Je suis comme le roi d’un pays pluvieux,
Riche, mais impuissant, jeune et pourtant très-vieux,
Qui, de ses précepteurs méprisant les courbettes,
S’ennuie avec ses chiens comme avec d’autres bêtes.

(p.199)
As flores do mal, de Charles Baudelaire. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. /Edição bilíngüe./ Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, 658p. [Volume adquirido na Livraria Dazibao, centro do Rio.] Em se tratando da história literária do Ocidente, obra que inaugura a poesia moderna. Para se dizer o mínimo. Para se dizer tudo. Ou mais alguma coisa, pois “Eu tenho mais recordações do que há em mil anos”. Peça literária que é um verdadeiro cult entre os amantes da boa poesia. Em nossa opinião de matriz crítico-afetivo-libertinária, um dos maiores livros de todos os tempos. Indispensável em qualquer biblioteca de respeito. Vejamos, como exemplo, segundo a tradução de Ivan Junqueira, os quatro versos iniciais de Spleen – LXXXVIII:
Sou como o rei sombrio de um país chuvoso,
Rico, mas incapaz, moço e no entanto idoso,
Que, desprezando do vassalo a cortesia,
Entre seus cães e os outros bichos se entedia.

(p.295)
As flores do mal, de Charles Baudelaire. Tradução, prefácio e notas de Jamil Almansur Haddad. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1958, 358p. [Volume adquirido na Livraria Universitária, em Natal.] Um livro que se quer inaugural na história literária do Ocidente, em se tratando de Poesia. Para se dizer de sua importância. Para se dizer de sua beleza. Ou mais alguma coisa, pois “Tenho recordações como quem tem mil anos”. Obra bastante admirada por escritores, poetas e artistas das mais variadas tendências filosóficas. Em nossa opinião de simples crítico natalense, um dos maiores livros de todos os tempos. Vejamos, como exemplo, segundo a tradução de Jamil Almansur, os quatro versos iniciais de Spleen – LXXXVIII:
Eu sou tal qual um rei de algum país chuvoso,
Rico, mas impotente, e moço, embora idoso,
Que do aio desprezando as mesuras rituais,
Se enfada com os cães e os outros animais.

(p.224)
O primo Basílio [1878], de Eça de Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 1961, 464p. [] Eça é um dos monumentos da literatura portuguesa, ao lado de Camões, Fernando Pessoa e E.M. de Melo e Castro. Aqui temos a história de uma família burguesa lisboeta em pleno século XIX; na ausência de seu marido Jorge, a caprichosa e sentimental Luísa se deixa seduzir por seu primo Basílio, “um maroto, sem paixão nem justificação da sua tirania, que o que peretende é a vaidedezinha duma aventura e o amor grátis” (Augusto Pissarra, na Introdução). E se Luísa é artificial e um títere, na opinião de Machado de Assis, o que dizer dos demais? Alguns estudiosos apontam a influência, neste romance, de Flaubert, Zola e dos Goncourt.
Carta de Pero Vaz de Caminha; Mostra do Redescobrimento, de Nelson Aguilar (org.). São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000, 208p. [] Belíssimo álbum/catálogo, ricamente ilustrado. Reprodução fotográfica da Carta de Caminha, contendo versão atualizada e comentada e um valioso estudo de Fernando António Baptista Pereira. Na parte final, obras plásticas que repensam o “achamento” do Brasil, por Ana Vidigal, Graça Morais, João Vieira, Álvaro Lapa e outros. E outros: José de Guimarães, Costa Pinheiro, Júlio Resende, Fernando Lemos, Noronha da Costa e outros. E outros: Luiz Zerbini, Karin Lambrecht, Antônio Hélio Cabral, Siron Franco, José Roberto Aguilar, Rosângelo Rennó, Flávio Emanuel, Emmanuel Nassar, Glauco Rodrigues.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

“Rio, 11.07.1990

Prezado Moacy Cirne,

Saúde e paz.

Ausente do Rio por dois meses, só hoje posso acusar recebimento do seu Balaio Incomun. Você sabe, de há muito, que sou apreciador do que você faz. Relendo esse Balaio, me lembro de suas coisas antigas, sempre presididas por talento e sentido inovador. Agradeço ter me enviado as suas últimas criações. Abraços do

Nelson Werneck Sodré [historiador].”


BALAIO PORRETA 1986
nº 2000
Rio, 19 de abril de 2007
Excepcionalmente, 160 cópias do presente número serão distribuídas hoje no IACS, em Niterói, a partir de 15h.


26 LIVROS
QUE ME FAZEM REPENSAR O MUNDO

  1. Dom Quixote (Cervantes, 1605/1615)
  2. A divina Comédia (Dante, 1308-21)
  3. Hamlet (Shakespeare, 1601)
  4. Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa, 1956)
  5. Tom Jones (Fielding, 1749)
  6. A educação sentimental (Flaubert, 1869)
  7. O vermelho e o negro (Stendhal, 1830)
  8. Moby Dick (Melville, 1851)
  9. Tristam Shandy (Sterne, 1760-67)
  10. Os lusíadas (Camões, 1572)
  11. O pai Goriot (Balzac, 1835)
  12. Decameron (Boccaccio, 1349-53)
  13. Os demônios (Dostoievski, 1872)
  14. A montanha mágica (Mann, 1924)
  15. Ulisses (Joyce, 1922)
  16. Crônicas marcianas (Bradbury, 1950)
  17. As flores do mal (Baudelaire, 1857)
  18. A ave (Wlademir Dias Pino, 1956)
  19. Ensaios (Montaigne, 1580-88)
  20. O 18 Brumário de Luís Bonaparte (Marx, 1852)
  21. O princípio Esperança (Bloch, 1954/1959)
  22. A água e os sonhos (Bachelard, 1942)
  23. As palavras e as coisas (Foucault, 1966)
  24. Do mundo fechado ao universo infinito (Koyré, 1957)
  25. Sobre a prática & Sobre a contradição (Mao, 1937)
  26. A Bíblia (Criação anônima: Vários autores, 800aC/100dC)


BALAIO,

UM ZINEPANFLETO-EM-PROGRESSO


Tudo começou quando, em setembro de 1986, ocupávamos a Chefia do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Precisávamos de um boletim informativo que, em sendo ágil, não fosse algo simplesmente burocrático. E assim, a partir do dia 8, o Balaio começou a sua existência. Seus 70 exemplares iniciais logo se transformaram em 120, 160, 180 cópias [por número]. Houve, espanto, claro. Como um professor de uma instituição superior ousava tanto? Seria possível manter uma publicação (xerografada) com inquietações que poderiam gerar anseios e perplexidades?

Nos 17 primeiros anos, atingindo mais de 1500 números em cerca de 280 mil cópias acumuladas, o Balaio tornou-se um zine-acontecimento, com suas panfletagens e suas balaiadas, distribuindo cachaça e brindes variados (livros, discos, revistas, camisinhas) em noitadas que marcaram época na história do IACS, o velho Casarão da Lara Vilela, em Niterói. E que, em seus números normais, agitava as nossas assembléias de greve, quando a Comunicação e boa parte da UFF paralisavam suas aulas. A nossa intervenção, no espaço da Universidade Pública, era o resultado de idéias que alimentavam o saber militante que norteava uma postura e uma necessidade de feitio poilítico-existencial.

Para nós, o Balaio sempre foi um instrumento ideológico-anticultural de luta política. Mesmo quando publicava informações aparentemente sem importância. Mesmo quando editava poemas eróticos e/ou pornô-debochados. Mesmo quando salientava o nosso humor gráfico e verbal, ou investia no poema/processo. Ou rompia com os padrões tradicionais de produção & distribuição: ora um Balaio para ser cheirado (com um nu frontal feminino carregado de talco), ora um número que representava o verdadeiro “corte epistemológico” (em cada exemplar, um corte no papel cuidadosamente tesourado), ora um número para ser jogado no lixo (completamente amassado), ora um número para ser incendiado (acompanhado de um fósforo como indicador de suas intenções políticas).

Na trajetória do Balaio, acreditamos que há momentos inesquecíveis: a luta contra a proibição do filme Je vous salue, Marie (Godard), já em 1986; a participação nas greves de 1989 e1991, entre outras; a participação nas campanhas presidenciais petistas de 1989 e 1994 [mais recentemente, já em nossa fase eletrônica, na de 2006]; a divulgação dos poemas de Chico Doido de Caicó, a partir de 1991; a participação no impedimento político de collor de melleca, a besta de bosta, em 1992; o lançamento da candidatura do citado Chico Doido à Academia Brasileira de Letras, em 1934; os poemas/colagens de Luiz Rosemberg Filho, depois de 1993; algumas balaiadas, em particular, como a do número 1000, em 1997. Haveria mais a citar. Muito mais. O concurso de classificados amorosos entre alunos e alunas, por exemplo, no início dos anos 90. Outros concursos, outras idéias.

Na verdade, o Balaio sempre foi uma curtição. E continua sendo.

[ in Almanaque do Balaio. Natal: Sebo Vermelho, 2006 ]


[][][]

NOTA DE ÚLTIMA HORA:
Faleceu ontem em Natal, à noite, a grande figura humana DANILO BESSA, um bravo guerreiro norte-rio-grandense das lutas políticas dos anos 60. Auto-exilado no Rio (posteriormente em São Paulo), depois de 64, Danilo Bessa fazia parte, então, do "Incrível Exército Brancaleone" das noitadas cariocas, temperadas por cervejas, caipirinhas e discussões sem fim em torno do socialismo e das práticas revolucionárias vivenciadas por todos nós. Em dia de festa para o Balaio, somos dominados pela tristeza.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

DESENCANTO
de Iracema Macedo (RN)

a Manuel Bandeira

Sou uma mulher vulgar
e faço versos como quem fode
sentindo prazer e dores
Eu faço versos como quem cospe
no bicho morto no meio-fio
sentindo nojo sentindo encanto
Eu rezo terços
e chupo lâminas
E faço versos como quem goza
e gozo como quem glosa

[ in A casa: Gravuras, 1995 ]


BALAIO PORRETA 1986
nº 1999
Rio, 18 de abril de 2007


GABRIEL, A VISITA
de José Nêumanne Pinto (SP/PB)

O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus: este será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi (Lucas, 1, 30-32)

Vieste dizer que vinha o Sol
e veio o galo cantar três vezes
só para negar o Menino;
viajaste nas nuvens
para que chovesse
e uma tempestade de pó
cobriu plantas, casas e animais
com um manto seco e sinistro;
carregaste bênçãos em teu bornal
e a serpente da maldição
nelas se escondeu;
deste conta de graças
e a desgraça as acompanhou,
à sorrelfa;
contaste à Virgem
que seu Bebê obraria maravilhas
e Seus irmãos O executaram,
de tocaia;
trouxeste a boa nova
de um Pai severo
e a Mãe se derreteu
em gozo e delícia,
mas a desmancharam
em pranto e cólicas.


Ainda assim, o fogo que ateaste
fez arder a sarça
e alumiou a noite escura;
e o amor que anunciaste
deu rumo a um rebanho tresmalhado
e civilizou uma raça de bárbaros.


Volta, Arcanjo,
desce e entrega
novas propostas de paz
e cartas com letras de luz.
Canta hinos de encantar a vida
para espantar a morte
e faz brotar do imprevisto deserto
e mesmo do impossível mar,
que não virou sertão,
algo que se possa chamar de futuro.

terça-feira, 17 de abril de 2007

FOME
Poema de Jeanne Araújo (RN)

Colaram-se em mim
uma fome antiga de palavras
e uma sede assoberbada de cantigas.
O meu desejo seria par de asas
coladas aos meus pés
e um carro de boi cantante
selado à minha língua.
Porque de pó e terra escura
é a minha estrada
e eu tenho pressa de descobrir
o que há por trás
da tessitura.



BALAIO PORRETA 1986
nº 1998
Rio, 17 de abril de 2007



CÂNTICO
Poema de Márcia Maia (PE)
[ in Tábua de Marés ]

eu canto ao avesso teu verso em meu canto
e canto meu verso em teu canto ao avesso
não canto no verso esse canto ao avesso
nem canto ao avesso esse verso em meu canto
se canto o avesso arde o verso que canto
avesso ao meu canto o teu canto faz verso
e avesso ao teu canto o meu canto ousa um verso
um verso de um canto que avesso ao teu canto
no verso e no canto e no avesso do canto
avesso o meu canto ao teu canto une em verso

se avesso arde o canto no canto sem verso
e o verso sem canto no avesso do canto
em verso ousa um canto ao avesso no canto
que avesso esse canto em seu canto quer verso
no avesso do canto teu canto diz verso
sem canto ou avesso o meu verso diz canto
teu canto urde avesso outro verso em meu canto
um canto sem verso sem canto ou avesso
que em canto unge o verso num canto ex-avesso
se eu canto ao avesso teu verso em meu canto

domingo, 15 de abril de 2007

POEMA/PROCESSO, 40 ANOS
Moacy Cirne

Com Esther Williams

1. Um sonho.
2. Um sonho com Maria.
3. Um sonho com Maria Antonieta.
4. Um sonho com Maria Antonieta Pons.
5. Um sonho com Maria Antonieta Pons, no Cinema.
6. Um sonho com Maria Antonieta Pons, no Cinema Pax.
7. Um sonho com Maria Antonieta Pons, no Cinema Pax, de Caicó.
8. Um sonho com Maria Antonieta Pons, no Cinema Pax.
0. Um sonho com Maria Antonieta Pons, na Praça.
1. Um sonho com Maria Antonieta Williams.
2. Um sonho com Maria Antonieta Pons, na Praça.
3. Um sonho com Maria Antonieta Pons, na Praça Azul.
4. Um sonho com Maria Antonieta Pons, na Praça da Liberdade.
5. Um sonho com Maria Antonieta Pons e Esther Williams, em Caicó.


BALAIO PORRETA 1986
nº 1997
Rio, 16 de abril de 2007



DIARIM DE MARIA BUNITA - IV
(Divulgação: Menina Arretada do Seridó)

Quirido diarim:
Ôje eu tô cuma sordade bateno no peito qui so vendo... acho qui ainda é ressaca do tar frevo de Olindra, ou então daquele cigarrim isquisito qui me deram e qui me deixô afoita pur demais. O qui eu quiria mermo ôje era ficá na baladêra cum meu capitão mi dizeno qui eu sô uma frô de manadacarú, qui num tem muié mais bunita qui eu em toda essa redondeza. Maria Bunita tem seus dia de frescura tombem, visse diarim... Tô tão carente qui se eu pudesse inda ôje eu dava um jeito de aparecer num ta de beco da lama, lá pras banda do Rio Grande, que é frevoroso qui só a gota serena, pro mode vê se me curava desse banzo. Se o capitão deixá...


Humor
In UM ESTADO DE "GRAÇA",
de Celso da Silveira (Natal/Mossoró, 1997)

De André Avelino, depois de dez anos na moita pego em adultério com uma amante, desculpando-se com a mulher legítima: "eu tava era te poupando, mulher!" (p.83)

De Xixico Fernandes, um frasista de sete costados: "Se o jeito de evitar filho for aquele de gozar fora, ninguém conte comigo; na hora de gozar eu tenho vontade é de me ajoelhar lá dentro!" (p.86)

sábado, 14 de abril de 2007

três poemas de josé bezerra Gomes incomodam
muita gente
dois poemas concretos incomodam muito mais
dois poemas concretos incomodam incomodam
muita gente
um poema/processo incomoda muito mais
muito mais
muito mais

(Moacy Cirne,
a partir de uma idéia de Wlademir Dias Pino)


BALAIO PORRETA 1986
nº 1996
Rio, 14 de abril de 2007

Na próxima semana: BALAIO nº 2000


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
666 livros indispensáveis (11/111)

Velhos costumes do meu sertão, de Juvenal Lamartine de Faria. Natal: Sebo Vermelho; Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 3ª ed., 2006, 127p. [] Importante documento antropológico, que é substancioso "depoimento de um sertanejo sobre o sertão do seu tempo" (JLF, setembro de 1963). Um dos livros capitais para que possamos compreender, em toda a sua plenitude social e cultural, o nosso Rio Grande: o Rio Grande do Norte de todas as paixões e de todos os alumbramentos, de todos os seridós e de todas as descobertas – o Rio Grande de todos nós, potengíacos ou não, agrestinos ou não, mossoroenses ou não. Seus temas, variados, recobrem a casa-grande, as indumentárias, a alimentação, a escola, as relações de parentesco, a hospitalidade sertaneja, as festas de casamento, as festas populares e religiosas, os vaqueiros e as vaquejadas, os cangaceiros, os matadores de onça. E mais. E mais. Os velhos costumes do nosso sertão, apesar da globalização, estão mais vivos do que nunca.

Cantadores [1921], de Leonardo Mota. Capa & ilust. Aldemir Martins. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará (1960), 304p. [] Um livro definitivo, ou quase, sobre a poesia popular brasileira, a partir de suas raízes nordestinas, considerando-se o rico mapeamento de nomes & poemas, como o incrível Luís Dantas Quesado, paraibano-cearense, que glosou o mote Nem todo pau é esteio (p.115-6) com exemplar vivacidade, assim como nos sensibilizou e ainda nos sensibiliza com o inspirado Beijo (p.116), de autoria às vezes questionada, é verdade. No final, há dois capítulos deliciosos: o primeiro, de “causos sertanejos” (p.327-77); o segundo, de vocábulos e expressões regionais da época, anos 10 do século passado (p.279-302). Trata-se de um elucidário verdadeiramente porreta: brochote (= rapaz atrevido, pessoa sem importância); cabra da rede rasgada (= indivíduo desabusado); desmastreio (= contratempo); dormir chiquerado (= dormir separado da mulher); farrambamba (= gabolice, fanfarronada); grungunzar (= remexer); lambugem (= vantagem que se propõe numa aposta); na rosca da venta (= face a face); pilóia (= aguardente). Etc. e tal, etc. e tal.

A luta literária, de Fausto Cunha. Rio de Janeiro: Lidador, 1964, 210p. [] No Brasil, pode-se dizer que certos nomes da literatura caem no esquecimento de forma injustificada. Fausto Cunha é um deles. Ótimo autor de ficção cientifíca (vide As noites marcianas, de 1960), sempre foi um crítico lúcido e antenado com as novidades, muito mais interessante do que 90% da crítica acadêmico-universitária produzida entre nós, estruturalista ou não. Se não foi o primeiro, foi um dos primeiros a chamar a atenção para o público brasileiro de autores como Jorge Luis Borges, Robert Musil, Ítalo Svevo, H.P. Lovecraft e – pasmem! – Gaston Bachelard. Aliás, em se tratando de Bachelard, a sua leitura ensaística sobre o criador de A poética do espaço e A poética do devaneio permanece modelar: “Nenhum crítico ou exegeta me fez até hoje compreender melhor o mistério da poesias do que Bachelard. Cada livro seu é uma porta sobre o cosmos. Para ele poesia é conhecimento, uma forma superior de conhecimento – e os filósofos mais lucrariam lendo os poetas do que mastigando a palha seca dos tratados” (p.122).

O direito de sonhar [1970], de Gaston Bachelard. Trad. José Américo Motta Pessanha & outros. São Paulo: Difel, 1985, 202p. Livro póstumo de um dos maiores e mais brilhantes prosadores da língua francesa do século XX: Gaston Bachelard (1884-1962), o pensador que bebia as palavras como se bebe vinho -- com sabedoria ímpar e delicadeza murmurante, sobretudo em suas obras noturnas. Estamos diante de textos produzidos de 1930 a 1962, reunindo, entre outros, As ninféias ou as surpresas de uma alvorada de verão (sobre Monet), O pintor solicitado pelos elementos (sobre Van Gogh), A Bíblia de Chagall, Castelos na Espanha, Edgar Poe: As aventuras de Gordon Pym, A dialética dinâmica do devaneio mallarmeano, Germe e razão na poesia de Paul Eluard. Sonhemos com Bachelard, sonhemos com os seus sonhos e devaneios:
"As chamas do incêndio destruidor possuem uma claridade de sol. Mas, na sombra, a felicidade humana é, por si só, uma pequena luz" (p.20);
"Um amarelo de Van Gogh é um ouro alquímico, ouro colhido de mil flores, elaborado como um mel solar" (p. 27);
"Há em toda adivinhação uma espiritualidade viva e melancólica, uma mistura de secreta perenidade e leve angústia, porque o adivinho dá sempre um pouco de sua própria luz para aclarar os outros" (p.49);
"No reino dos devaneios da vontade pode-se esperar desencadear reações tão simples que elas se tornam objetivas. Nas raízes do querer encontra-se a mais forte das comunhões. Um artista e um filósofo devem, aqui, entender-se facilmente" (p.55);
"O homem, com seus grandes signos, possui um valor cósmico. Todo grande valor estético do corpo humano pode colocar sua marca sobre o universo" (p.70); "A obra de arte multiplica sua temporalidade. As alegrias do olhar se renovam conforme a hora e a estação, conforme o humor" (p.79);
"Pela profundeza do sonho e pela habilidade da narrativa, [Edgar Allan Poe] soube conciliar em suas obras duas qualidades contrárias: a arte da estranheza e a arte da dedução" (p.107).
E assim por diante. E assim por diante, entre o sonho e a realidade
.

A peste [1947], de Albert Camus. Trad. Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1950, 281p. Nos anos 60, este livro -- que marcou toda a geração pós-guerra moldada pelo existencialismo sartreano, ao lado de O estrangeiro e das obras do próprio Jean-Paul Sartre -- era, para nós, leitura anual obrigatória . Aqui, nesta edição, em verdadeira recriação do Mestre Graciliano, aparece mais enxuto, mais limpo, mais conciso. A peste, em Camus, é simbólica. O horror da Segunda Guerra nos levou ao horror da desesperança. Como seria reler o romance de Camus, hoje? Para alguns de nós, freqüentadores dos cabarés da velha Ribeira e dos cinemas do Grande Ponto, leitores vorazes das novidades vendidas na Universitária, potenginautas de amores impossíveis, não havia muita diferença entre Natal e Oran, a cidade argelina que serve de ambientação para o livro: uma certa náusea, um certo enfado, um certo tédio que, por exemplo, o diretor Antonioni, por outros caminhos, iria explorar muitíssimo bem em sua reflexão cinematográfica sobre a falência dos sentimentos contemporâneos. Aliás, O estrangeiro, a obra-prima de Camus, deveria ter sido adaptada pelo cineasta de A aventura, A noite e Eclipse e não por Visconti, genial em outros momentos, mais abertos e mais operísticos. O intimismo existencial de Camus encontra eco em Antonioni, sem dúvida. Não por acaso, o autor de O deserto vermelho foi o primeiro a escrever sobre O estrangeiro na Itália. No Brasil, quem primeiro escreveu sobre A peste? Quem primeiro sofreu o seu impacto? Em tempo: a nossa Biblioteca das Águas Seridoenses contém La peste (Paris, Gallimard, 1961, 332p.).

Maravilhas do conto moderno brasileiro, seleção de Fernando R. Santos. São Paulo: Cultrix, 1958, 330p. [] Uma boa coletânea, incluindo O piano (Aníbal Machado) e outros títulos, entre os quais: O Natal de Tia Calu (Orígenes Lessa), Labirinto (Marques rebelo), Sarapalha (Ghuimarães Rosa), Crime mais que perfeito (Luís Lopes Coelho), O preso (Moreira Campos), O homem na torre (Joel Silveira). Há que destacar, também, As pérolas (Lygia Fagundes Telles), Elegíada (Osman Lins), A hospedeira (Edilberto Coutinho). Olhos alheios (Afonso Schmidt), Paisagem perdida (Luís Jardim), além de O chapéu de meu pai (Aurélio Buarque de Hollanda). Introdução e notas de José Paulo Paes, poeta e crítico. Dos melhores.

Maravilhas do conto português, seleção, prefácio e notas de Edgard Cavalheiro. São Paulo: Cultrix, 1958, 318p. [] Ainda hoje, uma boa introdução à literatura ficcional lusitana. Contém Singularidades de uma rapariga loura (Eça de Queiroz), O filho (Fialho d’Almeida), Um drama (pequena obra-prima de Júlio Dantas). E mais, entre outros contos: O remorso (Aquilino Ribeiro), O Senhor dos Navegantes (Ferreira de Castro), Maria do Ahú (José Régio), Meia-Noite (João Gaspar Simões). E A mais linda mulher de Espanha (Domingos Monteiro). E Uma mulher como as outras (Maria Archer). E Um caso sem importância (Pereira Gomes). Além de Estrada 43 (José Cardoso Pires). Além de A festa ficou-me barata (José Gomes Ferreira).

Não faça tragédia, de Guidacci. Rio de Janeiro: Codecri, 1982, 96p. [Com dedicatória desenhada pelo Autor, acompanhada do seguinte texto: “Moacy, não faça tragédia, faça humor! Um abração.”] Humor gráfico da melhor qualidade, criticando, à base de cartuns, os bunda-moles da época, sobretudo os políticos da ditadura. Tendo se iniciado no Pasquim, em 1970, o amazonense (e tricolor!) Jorge Guidacci, premiado em Cuba, é responsável por um traço vigoroso e sarcástico. Um dos expoentes da geração de ouro do jornal editado por Jaguar, Ziraldo, Henfil, Ivan Lessa e outros. Nas palavras de jaguar, “Ele, Henfil e Vasques, o gaúcho, são os cartunistas da porrada mais forte”. Concordamos plenamente.


ALMANAQUE DO BALAIO

ESTIRPE
LAU SIQUEIRA (PB)

sou inconstante
e uma parte de mim
- confesso ) anda distante

olhos profundos
como um peixe-boi

aprendi que só fala
quem escuta e cala

como um pássaro noturno
em sobrevôo perco meu sonho
no sumidouro da estrada

y busco esse tanto esse tudo
no oco de um eco incontido

sou inconstante
e uma parte de mim
- confesso ) anda distante

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