três poemas de josé bezerra Gomes incomodam
muita gente
dois poemas concretos incomodam muito mais
dois poemas concretos incomodam incomodam
muita gente
um poema/processo incomoda muito mais
muito mais
muito mais
(Moacy Cirne,
a partir de uma idéia de Wlademir Dias Pino)
BALAIO PORRETA 1986
nº 1996
Rio, 14 de abril de 2007
Na próxima semana: BALAIO nº 2000
A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
666 livros indispensáveis (11/111)
Velhos costumes do meu sertão, de Juvenal Lamartine de Faria. Natal: Sebo Vermelho; Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 3ª ed., 2006, 127p. [] Importante documento antropológico, que é substancioso "depoimento de um sertanejo sobre o sertão do seu tempo" (JLF, setembro de 1963). Um dos livros capitais para que possamos compreender, em toda a sua plenitude social e cultural, o nosso Rio Grande: o Rio Grande do Norte de todas as paixões e de todos os alumbramentos, de todos os seridós e de todas as descobertas – o Rio Grande de todos nós, potengíacos ou não, agrestinos ou não, mossoroenses ou não. Seus temas, variados, recobrem a casa-grande, as indumentárias, a alimentação, a escola, as relações de parentesco, a hospitalidade sertaneja, as festas de casamento, as festas populares e religiosas, os vaqueiros e as vaquejadas, os cangaceiros, os matadores de onça. E mais. E mais. Os velhos costumes do nosso sertão, apesar da globalização, estão mais vivos do que nunca.
Cantadores [1921], de Leonardo Mota. Capa & ilust. Aldemir Martins. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará (1960), 304p. [] Um livro definitivo, ou quase, sobre a poesia popular brasileira, a partir de suas raízes nordestinas, considerando-se o rico mapeamento de nomes & poemas, como o incrível Luís Dantas Quesado, paraibano-cearense, que glosou o mote Nem todo pau é esteio (p.115-6) com exemplar vivacidade, assim como nos sensibilizou e ainda nos sensibiliza com o inspirado Beijo (p.116), de autoria às vezes questionada, é verdade. No final, há dois capítulos deliciosos: o primeiro, de “causos sertanejos” (p.327-77); o segundo, de vocábulos e expressões regionais da época, anos 10 do século passado (p.279-302). Trata-se de um elucidário verdadeiramente porreta: brochote (= rapaz atrevido, pessoa sem importância); cabra da rede rasgada (= indivíduo desabusado); desmastreio (= contratempo); dormir chiquerado (= dormir separado da mulher); farrambamba (= gabolice, fanfarronada); grungunzar (= remexer); lambugem (= vantagem que se propõe numa aposta); na rosca da venta (= face a face); pilóia (= aguardente). Etc. e tal, etc. e tal.
A luta literária, de Fausto Cunha. Rio de Janeiro: Lidador, 1964, 210p. [] No Brasil, pode-se dizer que certos nomes da literatura caem no esquecimento de forma injustificada. Fausto Cunha é um deles. Ótimo autor de ficção cientifíca (vide As noites marcianas, de 1960), sempre foi um crítico lúcido e antenado com as novidades, muito mais interessante do que 90% da crítica acadêmico-universitária produzida entre nós, estruturalista ou não. Se não foi o primeiro, foi um dos primeiros a chamar a atenção para o público brasileiro de autores como Jorge Luis Borges, Robert Musil, Ítalo Svevo, H.P. Lovecraft e – pasmem! – Gaston Bachelard. Aliás, em se tratando de Bachelard, a sua leitura ensaística sobre o criador de A poética do espaço e A poética do devaneio permanece modelar: “Nenhum crítico ou exegeta me fez até hoje compreender melhor o mistério da poesias do que Bachelard. Cada livro seu é uma porta sobre o cosmos. Para ele poesia é conhecimento, uma forma superior de conhecimento – e os filósofos mais lucrariam lendo os poetas do que mastigando a palha seca dos tratados” (p.122).
O direito de sonhar [1970], de Gaston Bachelard. Trad. José Américo Motta Pessanha & outros. São Paulo: Difel, 1985, 202p. Livro póstumo de um dos maiores e mais brilhantes prosadores da língua francesa do século XX: Gaston Bachelard (1884-1962), o pensador que bebia as palavras como se bebe vinho -- com sabedoria ímpar e delicadeza murmurante, sobretudo em suas obras noturnas. Estamos diante de textos produzidos de 1930 a 1962, reunindo, entre outros, As ninféias ou as surpresas de uma alvorada de verão (sobre Monet), O pintor solicitado pelos elementos (sobre Van Gogh), A Bíblia de Chagall, Castelos na Espanha, Edgar Poe: As aventuras de Gordon Pym, A dialética dinâmica do devaneio mallarmeano, Germe e razão na poesia de Paul Eluard. Sonhemos com Bachelard, sonhemos com os seus sonhos e devaneios:
"As chamas do incêndio destruidor possuem uma claridade de sol. Mas, na sombra, a felicidade humana é, por si só, uma pequena luz" (p.20);
"Um amarelo de Van Gogh é um ouro alquímico, ouro colhido de mil flores, elaborado como um mel solar" (p. 27);
"Há em toda adivinhação uma espiritualidade viva e melancólica, uma mistura de secreta perenidade e leve angústia, porque o adivinho dá sempre um pouco de sua própria luz para aclarar os outros" (p.49);
"No reino dos devaneios da vontade pode-se esperar desencadear reações tão simples que elas se tornam objetivas. Nas raízes do querer encontra-se a mais forte das comunhões. Um artista e um filósofo devem, aqui, entender-se facilmente" (p.55);
"O homem, com seus grandes signos, possui um valor cósmico. Todo grande valor estético do corpo humano pode colocar sua marca sobre o universo" (p.70); "A obra de arte multiplica sua temporalidade. As alegrias do olhar se renovam conforme a hora e a estação, conforme o humor" (p.79);
"Pela profundeza do sonho e pela habilidade da narrativa, [Edgar Allan Poe] soube conciliar em suas obras duas qualidades contrárias: a arte da estranheza e a arte da dedução" (p.107).
E assim por diante. E assim por diante, entre o sonho e a realidade.
A peste [1947], de Albert Camus. Trad. Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1950, 281p. Nos anos 60, este livro -- que marcou toda a geração pós-guerra moldada pelo existencialismo sartreano, ao lado de O estrangeiro e das obras do próprio Jean-Paul Sartre -- era, para nós, leitura anual obrigatória . Aqui, nesta edição, em verdadeira recriação do Mestre Graciliano, aparece mais enxuto, mais limpo, mais conciso. A peste, em Camus, é simbólica. O horror da Segunda Guerra nos levou ao horror da desesperança. Como seria reler o romance de Camus, hoje? Para alguns de nós, freqüentadores dos cabarés da velha Ribeira e dos cinemas do Grande Ponto, leitores vorazes das novidades vendidas na Universitária, potenginautas de amores impossíveis, não havia muita diferença entre Natal e Oran, a cidade argelina que serve de ambientação para o livro: uma certa náusea, um certo enfado, um certo tédio que, por exemplo, o diretor Antonioni, por outros caminhos, iria explorar muitíssimo bem em sua reflexão cinematográfica sobre a falência dos sentimentos contemporâneos. Aliás, O estrangeiro, a obra-prima de Camus, deveria ter sido adaptada pelo cineasta de A aventura, A noite e Eclipse e não por Visconti, genial em outros momentos, mais abertos e mais operísticos. O intimismo existencial de Camus encontra eco em Antonioni, sem dúvida. Não por acaso, o autor de O deserto vermelho foi o primeiro a escrever sobre O estrangeiro na Itália. No Brasil, quem primeiro escreveu sobre A peste? Quem primeiro sofreu o seu impacto? Em tempo: a nossa Biblioteca das Águas Seridoenses contém La peste (Paris, Gallimard, 1961, 332p.).
Maravilhas do conto moderno brasileiro, seleção de Fernando R. Santos. São Paulo: Cultrix, 1958, 330p. [] Uma boa coletânea, incluindo O piano (Aníbal Machado) e outros títulos, entre os quais: O Natal de Tia Calu (Orígenes Lessa), Labirinto (Marques rebelo), Sarapalha (Ghuimarães Rosa), Crime mais que perfeito (Luís Lopes Coelho), O preso (Moreira Campos), O homem na torre (Joel Silveira). Há que destacar, também, As pérolas (Lygia Fagundes Telles), Elegíada (Osman Lins), A hospedeira (Edilberto Coutinho). Olhos alheios (Afonso Schmidt), Paisagem perdida (Luís Jardim), além de O chapéu de meu pai (Aurélio Buarque de Hollanda). Introdução e notas de José Paulo Paes, poeta e crítico. Dos melhores.
Maravilhas do conto português, seleção, prefácio e notas de Edgard Cavalheiro. São Paulo: Cultrix, 1958, 318p. [] Ainda hoje, uma boa introdução à literatura ficcional lusitana. Contém Singularidades de uma rapariga loura (Eça de Queiroz), O filho (Fialho d’Almeida), Um drama (pequena obra-prima de Júlio Dantas). E mais, entre outros contos: O remorso (Aquilino Ribeiro), O Senhor dos Navegantes (Ferreira de Castro), Maria do Ahú (José Régio), Meia-Noite (João Gaspar Simões). E A mais linda mulher de Espanha (Domingos Monteiro). E Uma mulher como as outras (Maria Archer). E Um caso sem importância (Pereira Gomes). Além de Estrada 43 (José Cardoso Pires). Além de A festa ficou-me barata (José Gomes Ferreira).
Não faça tragédia, de Guidacci. Rio de Janeiro: Codecri, 1982, 96p. [Com dedicatória desenhada pelo Autor, acompanhada do seguinte texto: “Moacy, não faça tragédia, faça humor! Um abração.”] Humor gráfico da melhor qualidade, criticando, à base de cartuns, os bunda-moles da época, sobretudo os políticos da ditadura. Tendo se iniciado no Pasquim, em 1970, o amazonense (e tricolor!) Jorge Guidacci, premiado em Cuba, é responsável por um traço vigoroso e sarcástico. Um dos expoentes da geração de ouro do jornal editado por Jaguar, Ziraldo, Henfil, Ivan Lessa e outros. Nas palavras de jaguar, “Ele, Henfil e Vasques, o gaúcho, são os cartunistas da porrada mais forte”. Concordamos plenamente.
ALMANAQUE DO BALAIO
ESTIRPE
LAU SIQUEIRA (PB)
sou inconstante
e uma parte de mim
- confesso ) anda distante
olhos profundos
como um peixe-boi
aprendi que só fala
quem escuta e cala
como um pássaro noturno
em sobrevôo perco meu sonho
no sumidouro da estrada
y busco esse tanto esse tudo
no oco de um eco incontido
sou inconstante
e uma parte de mim
- confesso ) anda distante
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