quinta-feira, 31 de julho de 2008


Sely, a Modelo
Foto de
Nuno Bernardo
in
Olhares


BALAIO PORRETA 1986
n° 2385
Rio, 31 de julho de 2008


A fotografia, na verdade incapaz de explicar o que quer que seja, é um convite inexaurível à dedução, à especulação
e à fantasia.

(Susan SONTAG. Ensaios sobre a fotografia, 1977)


ALTERNATIVAS
Laís Corrêa de Araújo (MG)
[ in Decurso de prazo, 1988 ]

Cortar o fio
com meus dentes

Cortar o rio
com meus braços

Cortar o frio
com o teu aço


ALGUMAS GÍRIAS CARIOCAS DOS ANOS 60 (2/3)
[ Fonte: Stanislaw Ponte Preta, 1964 ]

Idéia de jerico : Expressão que designa mais pensamentos.
Lambão : O que faz lambança.
Largar brasa : Reagir de forma intempestiva.
Lixo : Superlativo, algo acima do esperado:
Teresa estava um lixo de elegância.
Lourinha : Cerveja branca.
Mandraque : Esquisito. Efemeninado.
Manjar : Entender. Olhar.
Me dá o meu boné : Expressão usada por quem discorda:
Se vocês vão ficar me chateando, me dá o meu boné.
Milico : Militar, em sentido pejorativo.
Mocorongo : Indivíduo sem importância.
Mulata : Cerveja preta.
Onda careca : Intriga inconseqüente.


Um comentário de
PAULO GILBERTO MORAIS DOS SANTOS
(Patos, PB)
a propósito de Estranhos semelhantes (Balaio 2381):

"Conta-se que o escritor, dramaturgo, historiador, enfim, o gênio potiguar Câmara Cascudo, ao emitir um cheque num supermercado paulistano, aí pelos anos 60, foi indagado pela moça do caixa onde ficava essa tal cidade de Natal. De bate-pronto respondeu: 'minha filha, fica ali, entre Macaíba e Parnamirim, no Rio Grande do Norte'."
(29 de julho de 2008 15:55)

quarta-feira, 30 de julho de 2008


Rio: Maio de 1968
Foto:
Pedro de Moraes


BALAIO PORRETA 1986
n° 2384
Rio, 30 de julho de 2008

Os escritores e suas obras estabelecem relações curiosas aos olhos de seus leitores. Há livros que, com escrita inspirada, fazem surgir um personagem tão vivo que se sobrepõe a quem quer que tenha sido o verdadeiro autor. Dom Quixote e Cervantes, Hamlet e Shakespeare são casos típicos.
(Alberto Manguel. Ilíada e Odisséia de Homero - Uma biografia, 2007)


CEDRO
Lisbeth Lima
[ in Flor de Craibeira ]

As flores secas, de cedro, abrem-se ao sol.

E as sementes, nômades lâminas amarronzadas, voam.

Depois de pousadas no chão, criam pés.

Pés de cedro.

Árvores que se reproduzem ao gosto do vento.


Na flor que perdura, o cheiro amadeirado, a árvore.



ALGUMAS GÍRIAS CARIOCAS DOS ANOS 60 (1/3)

[ Fonte: Stanislaw Ponte Preta, 1964 ]

Atochar : Enfiar.
Bagulho : Mulher feia. Coisa que não presta.
Bagunçar o coreto : Acabar com a festa.
Bicharoca : Bicha; homossexual.
Boazuda : Mulher bonita, de formas atraentes.
Boca de siri : Segredo que não pode ser revelado.
Chave-de-cadeia : Mulher perigosa.
Dar bode : Causar complicação.
Dedo duro : Delator.
Enfeitar o pavão : Burilar um relato sem importância.
Facão : Velha feia.
Fuleiro : Ordinário.

[ in O Rio de Janeiro em prosa e verso, 1965 ]

terça-feira, 29 de julho de 2008


Imagem:
Betsen Oswiecinska
in
AltPHOTOS


BALAIO PORRETA 1986
n° 2383
Rio, 29 de julho de 2008


Se a literatura se transformasse em pura propaganda ou em puro divertimento, a sociedade recairia no lamaçal do imediato, isto é, na vida sem memória dos himenópterros e dos gasterópodes. Certamente, nada disso é importante: o mundo pode muito bem passar sem a literatura. Mas pode passar ainda melhor sem o homem.
(Jean-Paul Sartre. O que é a literatura, 1948)


POEMA
Ada Lima
[ in Menina Guache ]

Sonhei um poema.

Ele parecia uma nuvem
esgarçada entre as candeias dos anjos
oprimidas pelos músculos da noite
retesados dos esforços para estender
[ seu tapete escuro sobre o mundo.

Tentei tocar o poema.

A nuvem inchou e derramou palavras
que escaparam feito água entre os dedos.

Acordei muda.


Memória
ASSIM ERA A CENSURA NA ÉPOCA DA DITADURA
A história a seguir foi contada no ENE 2007, em Natal, na mesa-redonda sobre o Pasquim. Um corte no tempo para início dos anos 70. Um general era o responsável pela censura dentro do jornal Pasquim. Acontece que um dia implicou com determinado texto, um poema de Luís Carlos Maciel. O cartunista Ziraldo não entendeu o significado da censura imposta ao colega de redação: ""Pô, general, por que vai cortar o poema do Maciel. Isso aí... isso aí é um poema que não se entende nada, não tem nem pé nem cabeça. Mas por que é que vai cortar isso?" E o Genetal, impávido, mais sério do que nunca, assim respondeu, segundo relato do próprio Maciel: "Ah, por causa disso. Por que o Maciel fez um poema que não tem pé nem cabeça, não se entende nada? Porque ele quer dizer o seguinte: Eu não posso escrever um poema que se entenda porque tem censura no Brasil. Então eu escrevo um poema que não se entende nada. Ele tá querendo dizer que tem censura. Como não tem censura no Brasil, isso é uma mentira e eu veto". Lógica perfeita, não?

segunda-feira, 28 de julho de 2008


Gaston Bachelard
(1884-1962),
uma das minhas principais referências culturais,
ao lado de Marx, Montaigne e poucos outros,
com quem tenho dialogado desde o final dos anos 60


BALAIO PORRETA 1986
n° 2382
Rio, 28 de junho de 2008


O conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão.
(Caston Bachelard. Études /1932/, 1970)


RELENDO BACHELARD
SUAS OBRAS NOTURNAS

Os grandes livros, sobretudo, permanecem psicologicamente vivos.
Nunca terminamos de lê-los.
(A poética do devaneio [1960]. Trad. Antonio Danesi.
São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 72)

Ao lado de Lautréamont, como Nietzsche é lento, como é tranqüilo, como é familiar com sua águia e sua serpente! Um, os passos de dançarino; o outro, os saltos de tigre!
(Lautréamont [1939]. Paris: José Corti, 1974, p.11)

Aquilo que é puramente fictício para o conhecimento objetivo permanece ... profundamente real e ativo em relação aos devaneios inconscientes. O sonho é mais forte do que a experiência.
(A psicanálise do fogo [1938]. Trad. Maria Isabel Braga.
Lisboa: Estúdios Cor, 1972, p.42)

Toda poesia é começo.
(La flamme d'une chandelle [1961]. Paris: PUF, 1964, p.72)

Um amarelo de Van Gogh é um ouro alquímico,
ouro colhido de mil flores,

elaborado como um mel solar.
(O direito de sonhar [1943-1962, 1970].
Trad. José Américo Motta Pessanha.

São Paulo: DIFEL, 1985, p.27)

... a imaginação é um mundo. ... Se nossas observações parecem paradoxais, é porque se tornou paradoxal viver naturalmente, sonhar na solidão da natureza.
(A terra e os devaneios do repouso [1948].
Trad. Paulo Neves da Silva.
São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.148, 151)

Alguns poderão perguntar: por que Bachelard, aqui e agora? Porque ele, para nós, continua sendo (re)leitura obrigatória, em particular no que se refere à aventura noturna da imaginação criadora, quer poeticamente, quer epistemologicamente. Mas há um motivo concreto para que o lembremos, hoje: a editora Contracampo acaba de lançar a tradução dos seus Estudos, com cinco ensaios preciosos, entre o dia e a noite. Ainda não a vimos, mas esperamos tê-la o mais breve possível, embora a edição francesa original faça parte de nosso acervo desde o seu lançamento, ou quase. Afinal, em se tratando de Gaston Bachelard, todos os livros, traduzidos ou não, são o núcleo central de uma "fraterna" e hipotética Biblioteca dos Sonhos. Se o pensador diurno de A formação do espírito científico (1938) e O materialismo racional (1953), por exemplo, é importante, mais importante - para os poetas e artistas, pelo menos - é o pensador noturno de obras como A água e os sonhos (1942), A poética do espaço (1957), A poética do devaneio (1960) e A chama de uma vela (961), entre outras.

domingo, 27 de julho de 2008



Homenagem a
MAN RAY
Poema/Processo
de
Moacy Cirne
a partir de foto de Man Ray
e da ilustração do blogue de Joana Reis


BALAIO PORRETA 1986
n° 2381
Rio, 27 de julho de 2008

Sempre houve, e continua a haver,
dois motivos em tudo o que faço:
a liberdade e o prazer.
(Man Ray)


ESTRANHOS SEMELHANTES
/ fragmentos /
Moacy Cirne
Comunicação apresentada, em maio de 2007,
no seminário Segregações,
do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos,
no Rio de Janeiro
Dezembro de 1959: pela primeira vez, em meus 16 anos, ou um pouco mais, à beira dos 17, encontrava-me longe da minha região. Encontrava-me em São Paulo, passando as férias escolares de dezembro/janeiro na casa de uma tia - a tia Geralda. E não entendia como seus amigos e vizinhos me chamavam de "baiano", se eu sequer conhecia a Bahia. Ou, então, por que me apelidavam de "nortista", quando o Rio Grande do Norte, apesar do nome, era seguramente um Estado nordestino. E se eu os chamasse de "paranaenses" ou de "gaúchos"? Qual seria a reação deles?
(...)
Mais e mais, a possível ignorância paulistana em relação ao Nordeste não me parecia propriamente preconceito - de resto, uma idéia que, à época, me era estranha. E só uma vez fiquei irritado com aquela situação: quando uma senhora me perguntou, com a cara mais inocente do mundo, se na "Bahia" a gente tinha emissoras de rádio. (Ela não ousara perguntar se tínhamos canais de televisão; registre-se que não os tínhamos, na ocasião.) Respondi-lhe, com ironia: "Emissoras de rádio? Nunca ouvi falar! Aliás, também nunca ouvira falar em cinema, só agora conheci um: que coisa mais estranha, não? Aquelas pessoas todas se agarrando, se beijando, ou então brigando umas com as outras, ou correndo feito loucas, nunca vão ao banheiro, não almoçam direito, não sabem dançar xaxado, não conhecem o valor do silêncio. Que coisa mais estrambótica. Na minha terra não tem dessas esquisitices não". Até hoje não sei o que ela achou da minha resposta, se a levou a sério ou não, se me considerou doido varrido ou não.
(...)
Algumas indagações se fazem necessárias, neste espaço e neste agora: terei sentido na pele o famoso "choque cultural" que nos dividia? Em algum momento, deixei de ser "baiano" para me tornar "paraibano", em tom preconceituoso? Ora, todos sabem da minha admiração pela Paraíba e por Pernambuco, sobretudo, entre os vários Estados nordestinos. Temos semelhanças, mas igualmente diferenças profundas. A nossa maneira de sentir, de olhar, de falar, de amar, tem nuanças particulares. No próprio Rio Grande do Norte há consideráveis diferenças entre o homem do litoral, na região da Grande Natal, e o sertanejo do Seridó, sem contar com as outras regiões. ... Como, então, não vivenciar as diferenças entre o Sul Maravilha e o Nordeste Glorioso? Não seriam vivências que se existencializam com o tempo? Como lidar, pois, a partir de nossas memórias afetivas, com essa imponderável existencialidade que nos arrebata e nos faz sonhar?
(...)
Talvez eu fosse um bicho-do-mato, arredio que só a mulesta, mas, decididamente, se eu era um estranho, era um estranho entre estranhos: doces e inquietos estranhos que ficávamos horas nas filas do Paissandu para ver o último Godard, ou o último Bergman, ou o último Buñuel; deslumbrados e inquietos estranhos que pesquisávamos as histórias-em-quadrinhos e suas manifestações gráficas e culturais; loucos e inquietos estranhos que ousávamos enfrentar a fúria dos militares encastelados no Planalto Central; apaixonados e inquietos estranhos que, tricolores, vibrávamos, no Maracanã, com as vitórias do time de Cartola, Chico Buarque, Tom Jobim, Mário Lago, Sérgio Porto, Tio Silvino, Tio Walfredo e Nelson Rodrigues; libertários e inquietos estranhos que fundávamos o poema/processo, contra o poder literário constituído, espantando pela radicalidade. E se é verdade que a solidão e a timidez dos primeiros anos no Rio doíam um bocado, e se a saudade do cheiro da terra molhada do sertão e o ardor distante das mulheres amadas de Caicó e Natal pesavam como navios flamejantes e nuvens grávidas de crepúsculos, também é verdade que as diferenças aqui vividas e sentidas abriam espaços para a liberdade intelectual e criadora que me interessava.
E nelas mergulhei.
E nelas me encontrei.
E nelas me tornei mais e mais nordestino.
Mais e mais norte-rio-grandense.
Mais e mais seridoense.
E mais brasileiro.

sábado, 26 de julho de 2008

A grande ilusão
(1937),
com Jean Gabin, Pierre Fresnay
e Erich von Stroheim,
uma das obras-primas de
Jean Renoir


BALAIO PORRETA 1986
n° 2380
Rio, 26 de julho de 2008

Porque sou pacifista, realizei La grande illusion. Para mim, um francês, um americano e um alemão autênticos são verdadeiros pacifistas. ... La grande illusion é a história de pessoas como você e como eu, perdidas na pungente aventura que se chama guerra.
(Jean Renoir. Escritos sobre cinema, 1926-1971)


OS MELHORES FILMES DE GUERRA
segundo edição especial da revista
Aventuras na História
(São Paulo: Abril, 2008)

1. Apocalypse now (Coppola, 1979)
2. Sem novidade no front (Milestone, 1930)
3. Glória feita de sangue (Kubrick, 1957)
4. Cartas de Iwo Jima (Eastwood, 2006)
5. Tempo de glória (Zwick, 1989)
6. O resgate do soldado Ryan (Spielberg, 1998)
7. Além da linha vermelha (Malick, 1998)
8. A lista de Schindler (Spielberg, 1993)
9. A cruz de ferro (Peckinpah, 1977)
10. Waterloo (Bondarchuk, 1970)

Elaborada a partir de listas individuais de dois críticos (Marcelo Janot e Rubens Ewald Filho), cinco jornalistas da Abril, quatro historiador e um músico (João Barone, baterista), 100 filmes foram seleckionados. Claro, lista é lista. As lacunas são inevitáveis, mas não dá para desculpar, por exemplo - entre os 100 Mais - as ausências de Guerra e humanidade (Kobayashi, 1959-61) e Cinzas e diamantes (Wajda, 1958). Dá para ignorar, igualmente, Tempo de guerra (Godard, 1963)?

A título de curiosidade, eis os nossos (provisórios) 10 Mais, e a sua respectiva colocação em Aventuras na História: Grandes Guerras:

1. A grande ilusão (Renoir, 1937, em 11° lugar)
2. Hiroshima, meu amor (Resnais, 1959, em 71°)
3. Apocalypse now (Coppola, 1979, em 1°)
4. Agonia e glória (Fuller, 1980, em 13°)
5. Glória feita de sangue (Kubrick, 1957, em 3°)
6. Guerra e humanidade (Kobayashi, 1959-61, ausente)
7. Roma, cidade aberta (Rossellini, 1945, em 16º)
8. Vá e veja (Klimov, 1985, em 14°)
9. Além da linha vermelha (Malick, 1998, em 7°)
10. Johnny vai à guerra (Trumbo, 1971, em 100° lugar)

Mas é preciso dizer: gostaríamos de rever certos títulos, como Sem novidade no front (o 2º da revista; um filme muito apreciado por nosso amigo blogueiro Bené Chaves, de Natal), A ponte do Rio Kwai (Lean, 1957, em 20° lugar na revista), Kanal (Wajda, 1957, em 34°). E ainda não vimos, por incrível que pareça, A glória de um covarde (Huston, 1951, em 39° lugar). Outra coisa: ao elaborarmos, provisoriamente, os nossos 10 Mais Filmes de Guerra não levamos em consideração apenas suas possíveis qualidades estéticas. Se assim fosse, Cinzas e diamantes figuraria entre os primeiros. Também ficamos em dúvida se Dr. Fantástico (Kubrick, 1964, em 62°), A General (Keaton & Bruckman, 1927, em 63°) e O grande ditador (Chaplin, 1940, em 69°) seriam basicamente filmes de guerra. Pensando bem: Hiroshima, meu amor, o nosso 2°, extrapola o gênero. Mais uma consideração: Quando voam as cegonhas (Kalatozov, 1957, ausente) parece-nos melhor do que A balada do soldado (Tchucrai, 1959, em 28°). Os dois, soviéticos, são lembrados aqui porque fizeram (relativo) sucesso de público e crítica na mesma época, inclusive no Brasil.

sexta-feira, 25 de julho de 2008


Imagem:
Autoria não-identificada


BALAIO PORRETA 1986
n° 2379
Rio, 25 de julho de 2008

Dormirei nua o sono das deusas
e acordarei girassóis do eterno
estado de adormecência.
(Maria Maria. Espartilho de Eme, 21/06/08)


VIAGEM
Jeanne Araújo

Viajei. Tomei a direção oposta.
Toquei em tudo o que foi proibido
nessas centenas de anos que reencarnei.
Fui vagabunda e corriqueira.
Bruxa e duende.
Dancei a dança do ventre
completamente nua.
Fiz a carne dos homens arder.
Por isso, o fogo nas palavras,
a poesia sacrificada.
E cá estou,
olhando a voracidade do monstro
solto pelo quarto.
Estou à mercê de sua brutalidade
e sua selvageria.
Tateio meu corpo e sua extensão
não é mais do que a pele.
Ardo em febre de silêncio e volúpia
e minha imprudência te olha despedaçado.
E na arena, rezando para que solte os leões,
me renuncio e ardo.


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Dicionário de lugares imaginários,
de Alberto Manguel & Gianni Guadaluppi.
Trad. Pedro Maia Soares.
Ilust. Graham Greenfield & Eric Beddows.
Mapas James Cook.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003, 496p.
Quem, entre nós, conhece a ilha Nacumera, em pleno oceano Atlântico? Ou o reino da Paflagônia, cuja capital atende pelo nome de Blombodinga? Quem se habilita a visitar a terra dos Crotalophoboi, região do norte da África, habitada por temíveis canibais? E Paroulet, país subterrâneo com mares, ilhas e montanhas? E se conhecemos Pasárgada através da poesia de Manuel Bandeira, o mesmo não podemos dizer de Caligênia, a não ser que mergulhemos nas páginas de Tiphaige de la Roche, datadas de 1765. Sem dúvida - mesmo sem a mítica São Saruê, que, segundo alguns, ficaria na região do Seridó potiguar (embora seu idealizador, o poeta Manoel Camilo dos Santos, seja paraibano) -, trata-se de um livro curioso, ora instigante, ora agradável. E sempre informativo.


ALGUMAS GÍRIAS CARIOCAS
DOS ANOS 40 DO SÉCULO PASSADO (4/4)
[ Fonte: Raul Pederneiras, 1946 ]

Acender a lamparina : Esbofetear.
Bater o trinta e um : Morrer
Chamar nas engolideiras : Surrupiar.
Encolher o umbigo : Recuar, em defesa.
Entupigaitado : Embaraçado. Complicado.
Relambório : Conversa enfadonha. Discurso tedioso.
Sete virtudes : Cachaça.
Veneziana : O rosto. A fisionimia.
X P T O : De primeira ordem.
Zinho : Namorado. Predileto.


Cinema
RECOMENDAMOS EM NATAL
Estômago (Marcos Jorge, 2007)
RECOMENDAMOS NO RIO
A banda (Korilin, 2008)
Estômago (Marcos Jorge, 2007)
A culpa é do Fidel (Gavras, 2006)

A última amante (Breillat, 2007)
Antes que o diabo saiba que você está morto (Lumet, 2007)
A conferir:
Uma garota dividida em dois (Chabrol, 2007)
Batman - O Cavaleiro das Trevas (Nolan, 2008)

quinta-feira, 24 de julho de 2008


Imagem:
Callaveron
in
AltPhotos


BALAIO PORRETA 1986
n° 2378
Rio, 24 de julho de 2008


É curioso constatar que o que há de mais intraduzível de uma língua para a outra são os fenômenos do som e da sonoridade. O espaço sonoro de uma língua tem suas próprias ressonâncias.
(Gaston BACHELARD. A chama de uma vela, 1961)


D'UN MOINE ET D'UNE VIEILLE
O MONGE E A VELHA
Clément Marot (1496-1544)
Trad. José Paulo Paes (1926-1998)

Un moine un jour jouant sur la rivière,
Passeando um monge pela beira-rio,
Trouva la vieille en lavant ses drapeaux,
Viu uma velha que lavava a roupa;
Qui lui monstra de sa cuisse heronière
Viu-lhe a perna de garça e o fogo viu
Un feu ardent où joignaient les deux peaux.
Onde uma coxa vem juntar-se à outra.
Le moine eut cueur, lève ses oripeaux,
O monge inflamado ergue a própria roupa,
Il prend son chose, et puis s'approchant d'elle:
Pega o instrumento e se achegando a ela:
Vieille, dit-il, allumez ma chandelle.
Velha, diz ele, acende a minha vela.
La vieille alors lui voulant donner bon,
E, para dar-lhe gosto, a velha então
Tourne son cul, et respond par cautelle,
Vira-lhe o cu e pede por cautela:
Approchez-vous et soufflez au charbon.
Chega mais perto e assopra o meu carvão.

[ in Poesia erótica em tradução. São Paulo, 1990 ]


ALGUMAS GÍRIAS CARIOCAS
DOS ANOS 40 DOS SÉCULO PASSADO (3/4)
[ Fonte : Raul Pederneiras ]

Ovo atravessado : Contrariedade. Situação esquisita.
Pancadão : Mulher atraente.
Sabão, sabonete : Descompostura. Repreensão.
Sardinha : Navalha.
Suco : Coisa boa, de primeira ordem.
Sururu : Escândalo. Desordem.
Tangolomango : Enguiço. Má sorte. Praga.
Teimosa : Cachaça.
Turumbamba : Escândalo. Desordem.
Turuna : Chefe. Valente.

quarta-feira, 23 de julho de 2008


Cidades cearenses:
CAMOCIM
(Praça do Amor)

Foto de
Bosco Sobreira
in
A Pedra e a Fala


BALAIO PORRETA 1986
n° 2377
Rio, 23 de julho de 2008


No nascimento somos filhos de nossos pais,
na ressurreição somos filhos de nossas obras.
(Pe. Antonio Vieira. Sermões, 1650)


POEMA
Iara Maria Carvalho
[ in Mulher na Janela ]

sei de pedra
como sei de deus

por isso, tropeço


ALGUMAS GÍRIAS CARIOCAS
DOS ANOS 40 DO SÉCULO PASSADO (2/4)
[ Fonte: Raul Pederneiras ]

Holofote : A região traseira do corpo. /Bunda./
Lanfranhudo : Incompetente. Invejoso.
Maracujá de gaveta : Rosto enrugado.
Molhar a palavra : Bebericar.
Moxinifada : Confusão. Atrapalhação.
Mudar o colarinho : Beber.
Na puba : Correto. Elegante. Perfeito.
Nariz : Qualquer pessoa.
No trinque : Elegante. Garboso.
Quebra-queixo : Charuto ordinário.


SERIDOÍSMOS

No blogue do Poema/Processo,
Parelhas é o nome da vez.
A partir de foto de Hugo Macedo.


DE ELIO GASPARI, N'O GLOBO DE HOJE

"Começou a funcionar o Tribunal de Guantánamo. É o último espetáculo do fim de governo do pior presidente da História dos Estados Unidos" (in O Tribunal de Guantánamo desonra os EUA, p.7 do 1° Caderno). Na mesma página, sobre o despreparo policial em terras cariocas: "O Rio não deve ser governado pelas pulsões de morte, por Tânatos; não é de sua natureza. O Rio tem que ser Eros" (Zuenir Ventura, Na hora da morte).

terça-feira, 22 de julho de 2008


Pão de Açucar / Rio de Janeiro
Foto de
Alex Fernandes
in
Olhares



BALAIO PORRETA 1986
n° 2376
Rio, 22 de julho de 2008


A prgressiva passagem de uma visão "marítima" do Pão de Açúcar a uma visão mais "terrestre", como parte do cenário urbano, corresponde ao vivo interesse em relação à cidade [do Rio] que se manifesta ao longo do século XIX.
(Maria Pace Chiavari, in A paisagem carioca, 2000)


TAKE-OFF
Sebastão Uchoa
[ in Antilogia. Rio, 1979 ]

1.
há quem faça obras
eu apenas
solto as minhas cobras
2.
o futuro? já sei de cor:
só me interessa a metamemória
perdido no cosmos
a minha pátria é o jardim das delícias
3.
que esperam de mim?
não sou ninguém
não me puxem pelo braço
sou revel
a minha consciência é o verme
e eu sou o cria corvos
4.
já vivi duas vezes
e sonho com a terceira vida
visível só como sombra
5.
façam de conta
que fui apenas um sonho
neste pesadelo da história
nem consegui gritar
fui enforcado com baader-meinhoff
ou pendurei-me em praça pública
com gérard de nerval?
6.
quem não se contradiz
não diz
radicalmente sério
só o cemitério


ALGUMAS GÍRIAS CARIOCAS
DOS ANOS 40 DO SÉCULO PASSADO (1/4)
[ Fonte: Raul Pederneiras, 1946 ]

Afinfar : Bater. Espancar.
Almoço-de-assovio : Café com leite, pão e manteiga.
Azeiteiro : Namorador. Conquistador.
Beber água : Assustar-se. Perder a calma.
Caganinfância : De baixa estatura. Tipo sem valia.
Catedrático : Chope duplo.
Dadeira : Mulher fácil.
Esbórnia : Orgia. Devassidão.
Falar francês : Ter dinheiro.
Gregório : Homossexual.

[ in Rio de Janeiro em prosa e verso, 1965 ]

segunda-feira, 21 de julho de 2008



21 de julho:
106 anos de FLUMINENSE,

uma paixão eterna,
um eterno amor

Foto:
Legião Tricolor








BALAIO PORRETA 1986
n° 2375
Natal, 21 de julho de 2008


Tudo o que pode ser dito pode ser dito claramente.
(Wittgenstein. Tractatus logico-philosophicus, 1922)


MOTIM
Florisvaldo Matos
[ in Exu, n° 18, Salvador, 1992 ]

Estou morto
Mas não me entrego,
Estou mutilado
Mas nego
Até o fim meu destino
De pássaro cego.

Estou perdido
Mas aperto
Ao peito este mapa
Incerto
Com seus rumos desconexos.

Estou mudo

Mas não sossego
Este grito que carrego,
Como lâmina nos dentes.

Estou cercado, mas resisto.

CADERNO DE ANDARILHO
/ Fragmentos /
Manoel de Barros
[ in Concerto a céu aberto para sócios de ave, 1991 ]

Sapo de noite arregala os olhos pra desmedir a saudade.

Melhor para entardecer é encostar em árvore.

Pessoa que lê água está sujeita à libélula.

Lagartixas piscam para as moscas antes de havê-las.

Cheio de vogais pelas pernas vai o caranguejo soletrando-se.


Memória 1996
DEZ CONTOS EXCEPCIONAIS
Moacy Cirne
[ in Balaio, ° 822, de 15/05/96 ]

1. Em memória de Paulina (Casares)
2. O jardim do tempo (Ballard)
3. A biblioteca de Babel (Borges)
4. A obra-prima ignorada (Balzac)
5. A casa tomada (Cortázar)
6. A terceira margem do rio (Guimarães Rosa)
7. Olhos mortos de sono (Tchecov)
8. William Wilson (Poe)
9. Uma ocorrência na ponte sobre o Rio Owl (Bierce)
10. Não tenho boca e preciso gritar (Ellison)


RILKE GANG-BANG
[ in Cordel Digital ]

Devo chamar-te de aurora ou crepúsculo?
Pois ante a manhã me sinto minúsculo
E capto tímido o seu rosa rubro
E um receio em sua flauta descubro,
dias antes, sem canto, longo opúsculo.

Mas as tardes suaves me pertencem;
ante meu olhar espalham raios finos;
nos meus braços bosques adormecem, -
e eu mesmo sou o som de seus destinos,
e qual a escuridão nos violinos,
com meu ser ecuro, eles se parecem.

Rainer Maria Rilke
Tradução: Adalberto Müller

domingo, 20 de julho de 2008


Sertão Crepúsculo Caatinga
Foto in
Letras, Sentimentos e Inspirações


BALAIO PORRETA 1986
n° 2374
Natal, 20 de julho de 2008


Tardezinha, já, o ônibus come estrada, pelo sertão paraibano. Na solidão da caatinga, serras azuis emolduram a paisagem...
(Manoel Onofre Jr. Portão de embarque, 2008)


POEMA
Marize Castro
[ jn poço. festim. mosaico. Natal, 1996)

escrevo como quem morre:
em hábil verticalidade.
o que me toca é o que está em pedaços.
penhasco que enlaça. tentáculos de eternidade.
o que é quase divino. quase sombra. secreto córrego.
ascensão e queda. êxtase e perda.
por que os estilhaços?
pergunto ao meu coração de jardins de alabastros.
qual o destino das mulheres com serras entre as pernas?
por que orar tanto? unir tanto as mãos?
suplicar o quê? a felicidade?

diante do amor a vida escorre. espanta. despedaça.
serão mesmo plácidas todas as horas que perdemos?


AH!, ESSA FALSA CULTURA
Millôr Fernandes
[ in O Cruzeiro. Rio, 1961 ]

Cristóvão Colombo era casado com a Rainha Isabel
e teve três filhas: Santa Maria, Pinta e Nina.

Para provar a teoria de Darwin
foi necessário achar um macaco muito inteligente.

A maré baixa é quando todos os peixes
resolvem beber de uma só vez.

O Texas foi descoberto pela Texaco.

Pileque foi um matemático que descobriu que a Terra gira.

A única coisa capaz de acabar com as secas do nordeste
é um sistema de irritação.


Memória 1996
DEZ OBRAS-PRIMAS DA LITERATURA FICCIONAL
Moacy Cirne
[ in Balaio, nº 827, de 27/05/96 ]

1. Dom Quixote (Cervantes)
2. A história de Tom Jones (Fielding)
3. Decameron (Boccaccio)
4. Moby Dick (Melville)
5. O vermelho e o negro (Stendhal)
6. Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa)
7. O pai Goriot (Balzac)
8. Ulisses (Joyce)
9. A educação sentimental (Flaubert)
10. A montanha mágica (Mann)


RECOMENDAMOS ESPECIALMENTE

Homens e fatos do Seridó antigo [1961],
de Dom José Adelino Dantas.
Natal: Sebo Vermelho, 2008, 168p.

sábado, 19 de julho de 2008


Passion, de Jean-Luc Godard,
lançado em 1982,
o ano de
O desespero de Veronika Voss (Fassbinder)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2373
Natal, 19 de julho de 2008


Tenho uma queda pela fraquezas humanas; de que outro modo continuaríamos rindo (e há que seguir rindo) num mundo
tão árduo como o nosso?

(Stephen Jay Gould. O milênio em questão, 1997)


Repeteco
PASSION, DE GODARD: MEMÓRIAS DE UM CINÉFILO
[ in Balaio, de 10 de julho de 2004 ]

Todos sabem da minha paixão pelo cinema de Godard; uma paixão antiga, iniciada em Natal, em 1962 (com Acossado, de 1959), e que vivenciara os anos febris da Geração Paissandu (1966-1974), já no Rio. Uma paixão que se renova a cada novo filme ou a cada nova revisão. E como sou fiel às minhas paixões e às minhas coerências, continuo bastante fiel ao cinema de Jean-Luc Godard. Como ao cinema de Antonioni, de Bergman, de Welles, de Renoir, de Visconti...

E quarta-feira, no Espação 1, na Voluntários da Pátria, estarei revendo uma de suas obras mais sensíveis e estimulantes: Passion, de 1982. Jacques Aumont, no livro O olho interminável [cinema e pintura], publicado no Brasil pela Cosac & Naify, em belo estudo, a partir desse filme, afirmaria que Godard é "O único a conhecer a solidão do pintor, o último, talvez, a acreditar ainda nos segredos da invenção criadora" (p.237). Talvez seja um exagero: o atual cinema de Alexandr Sokúrov, por exemplo, também aposta nos segredos da mais pura criação.

Mas voltemos ao que interessa. Eu disse: estarei revendo, mas seria melhor dizer: estarei vendo. Deixe-me explicar: quando o vi, em setembro de 1986, logo após o surgimento do Balaio, um pouco antes do nascimento de minha primeira filha (Ana Morena), não pude senti-lo em toda a sua plenitude. Em primeiro lugar, a exibição se deu num telão de vídeo; em segundo lugar, sem as cores originais. (Em terceiro lugar, durante quatro ou cinco minutos perdi a concentração no filme. Mas isso eu não poderia adivinhar que iria acontecer.) Afinal, Godard é Godard, e eu estava ali, num Vídeo-Clube Bar, numa rua escondida de Botafogo, para ver o inédito Passion.

A sessão fora marcada para as 22h. Às 21:30, mais ou menos, eu já me encontrava na sala, sozinho numa mesa, tomando a minha primeira cerveja da noite. Éramos poucos; dez ou 12 clientes, isto é, espectadores, além dos proprietários do local e de uma garçonete. Na platéia, um conhecido meu: o jornalista Mauro Costa. Mas eu estava ali para ver Godard e não para um papo em mesa de bar.

Tomava a segunda cerveja quando o filme começou a ser apresentado. Como sempre, a emoção me dominava. Decorridos cerca de 40 minutos, de um total de 87, entraram na espaçosa sala quatro sujeitos, que se dividiram em duas mesas. Dois sentaram-se próximos. Ouvi claramente um deles observar para o seu colega: "Cara, vire-se para a tela, estão exibindo um filme". Não tive mais a menor dúvida: eram assaltantes.

Durante alguns minutos perdi a concentração no filme: sair ou não sair. Percebera que Mauro Costa já o fizera, discretamente, depois de pagar a conta e afirmar num tom adequado para a ocasião: "Puxa, que filme chato. Vou continuar bebendo em outro lugar". Eu poderia fazer o mesmo, claro. Decerto, não seria incomodado. Seria compreensível que o fizesse, mesmo sendo a primeira vez que eu abandonaria pela metade um filme de cineasta daquele porte criativo.

Mas Godard era Godard, e o filme estava me sensibilizando. Pensei, então: "Só espero que eles não interrompam a sessão para nos assaltarem. Seria o fim da picada; esperei longos quatro anos pra ver esse Godard". Bom, se não foi exatamente isso que me veio à mente, foi algo parecido. Comecei a torcer para que eles também estivessem gostando de Passion; assim, talvez não interrompessem a apresentação. Mas, diabos, a cópia nem legendas tinha! O filme continuava, continuava, e voltei a me concentrar nas imagens de Godard.

Finda a sessão, quando já me preparava para pagar a conta, os quatro anunciaram o assalto. Um deles, bastante nervoso, por sinal o que ficara de costas para o telão, tomou conta do nosso grupo, recuado para um canto da sala. Enquanto isso, os outros três levavam todo o equipamenrto de vídeo e mais a fita de Godard (na verdade, pertencia ao meu amigo cineasta Luiz Rosemberg Filho, que a trouxera de Paris). O cara que ficou nos encurralando, com uma arma na mão, obrigou-nos a jogar no chão toda a nossa (pouca) grana, mais relógios e outros pertences. E ainda implicou comigo, esfregando o seu revólver no meu rosto: "Barbudo, você está escondendo a grana, vou te apagar, vou te apagar". E eu, aparentando calma: "Quequiéisso, cara, tô maluco pra fazer uma coisa dessas?". Realmente, não estava escondendo nada.

Mas o pior acontecia ao meu lado: a garçonete, agachada, com as mãos encobrindo o rosto, chorava como uma desesperada condenada à morte. Alguns de nós tentavam acalmá-la. Inutilmente. Ainda bem que o sujeito, muito nervoso e provavelmente drogado, não percebeu nada. Os outros três, "atarefados", menos ainda. Foram cerca de 20 minutos que pareciam não ter fim. Depois ainda nos ameaçaram: "Esperem meia-hora antes de irem embora; estaremos na esquina e mataremos o primeiro que tentar sair". Jogo de cena, evidentemente.

Os proprietários, então, serviram uma dose de uísque pra todos nós. E, só então, ficamos sabendo o motivo do choro desenfreado da garçonete: o assaltante que nos ameaçara diretamente morava em seu edifício. Naquele mesmo dia, tomaram o elevador juntos, para andares diferentes. Por sorte dela, ele não a reconhecera. Alguns a aconselhavam a não contar nada para os donos do vídeo-clube, e muito menos para a polícia; outros, que mudasse imediatamente de endereço. Na dúvida, fiquei pensando na beleza do filme de Godard. Recolhi-me ao silêncio e ao uísque.

Na próxima quarta, quase 18 anos depois, estarei revendo Passion, no mesmo bairro, quase na mesma rua. Ou melhor: estarei vendo Passion. Não mais numa cópia de vídeo. E sem assaltantes por perto, assim espero.

[ Texto a ser publicado no meu próximo livro:
A cinemateca imaginária, edição do Sebo Vermelho ]

sexta-feira, 18 de julho de 2008


A arte fotográfica da russa
ALINA LEBEDEVA


BALAIO PORRETA 1986
n° 2372
Natal, 18 de julho de 2008

Viver a poesia é muito mais necessário e importante
do que escrevê-la.

(Murilo Mendes. O discípulo de Emaús, 1945)


POEMA
Tânia Diniz
[ in Garatuja, n° 48. RS, 1996 ]

Em corpoárido seco terreno
ardeste fogueiras, distraído
Fez-se fogo farto fogo-fátuo
e sem ti, anjo torto,
corpotraído,
jaz agora
fogo morto.


Memória 1997
12 LIVROS FUNDAMENTAIS
DA POESIA BRASILEIRA
segundo o poeta Luís Carlos Guimarães
[ in Balaio, n° 999, de 3/7/1997 ]

Estrela da vida inteira (Manuel Bandeira)
Reunião (Carlos Drummond de Andrade)
Obras completas (Murilo Mendes)
Obras completas (João Cabral de Melo Neto)
Poesias (Dante Milano)
Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)
Poesias (Mário Quintana)
Navegos (Zila Mamede)
Poesias (Myriam Coeli)
Poesias (Gregório de Matos)
Poesias (Vicente de Carvalho)
Ausencia viva & Terra imóvel (Octávio Mora)


O QUE AS REVISTAS FEMININAS "ACONSELHAVAM"
ÀS MULHERES BRASILEIRAS

Em 1945:
A desordem de um banheiro desperta no marido
a vontade de ir tomar banho na rua.
(Jornal das Moças)

Em 1953:
O noivado longo é um perigo.
(Querida)

Em 1954:
Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade ele não irá gostar de ver que ela cedeu.
(Querida)

Em 1955:
O lugar da mulher é no lar, o trabalho fora de casa masculiniza.
(Querida)

Em 1957:
Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas.
(Jornal das Moças)

Em 1959:
A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas;
nada de incomodá-lo com serviços domésticos.
(Jornal das Moças)

Em 1962:
Se desconfiar da infidelidade do marido,
a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto.
(Cláudia)
[ Fonte: História e consciência do Brasil, de Gilberto Cotrim ]

quinta-feira, 17 de julho de 2008


Foto:
Scott James Prebble
in
DeviantArt
via
Corpo Estranho


BALAIO PORRETA 1986
n° 2371
Natal, 17 de julho de 2008


Quando não se ousa amar sem reservas
é que o amor já está muito doente.

(Goethe. Poesia e verdade, 1830)


POEMA PARA

tua boca, quente e aveludada,
acaricia o meu sexo.
língua-prazer
língua-paixão
língua-pásargada
gesto que me doidice
enquanto, lusco e fusco,
navego em teus horizontes mais íntimos
para te lamber
todatodinha
até que sejamos
(sonhos e crepúsculos)
uma só pele
um só tato
um só gemido
na noite espanto de novembro.

Moacy Cirne
[ in Cinema Pax, 1983 ]

quarta-feira, 16 de julho de 2008


Cidades potiguares:
Ceará-Mirim
(Solar Antunes / Prefeitura}

Foto de
Jorge Moreira


BALAIO PORRETA 1986
n° 2370
Natal, 16 de julho de 2008


Algumas vezes também é agradável perder a razão.
(Menandro, in Sêneca, séc. III aC)


UM LIVRO FUNDAMENTAL

No terreno fértil da verbalidade, são poucos os livros realmente fundamentais que constituem uma (possível) poética norte-rio-grandense, em sendo universais: Livro de poemas (Jorge Fernandes), Antologia poética (José Bezerra Gomes), O arado (Zila Mamede), Diário íntimo da palavra (Nei Leandro de Castro), Fábula fábula (Sanderson Negreiros), As cores do dia (Luís Carlos Guimarães), Os elementos do caos (Miguel Cirilo), Lance de dardos (Iracema Macedo), Esperado ouro (Marize Castro), Contracanto (Jarbas Martins), Rio dos homens (Paulo de Tarso Correia de Melo). E o recente Thálassa, de Francisco Ivan (Natal: Sebo Vermelho, 2008, 100p.).

Nos mais diferentes níveis, uma obra extraordinária, quer por sua tessitura formal de feitio clássico, quer por suas variantes temáticas que atingem o universal a partir do regional e da própria universalidade. O professor e poeta Francisco Ivan - leitor atento de Homero, Joyce, Guimarães Rosa e Haroldo de Campos - constrói o seu universo poético-imaginante com indiscutível maestria, traçando com régua, compasso e lirismo os abismos e caminhos de uma viagem sem começo e sem fim, entre o diáfano e a plenitude, entre a criação e a imensidão do Mar, entre Deus e o Diabo na Terra da Poesia.

Enfim, um grande Livro, um grande Poeta.


THÁLASSA
/ Fragmentos /
Francisco Ivan

Oh, estar na Irlanda agora,
E mirar lá da Martello Tower
O Mar grandioso de Ulisses,
E a praia pode ser interna,
E o porto pode ser internacional.
Oh, navegar por esses mares agora,
Ao tempo de suas thalassocracias,
Embriagar-me de suas mitologias!
(p.11)
Todos os verdes dos mares,
De Dublin, Europa, França e Bahia,
Cabem dentro do verde do mar
Que barra minha terra Natal.
Ai, Mar! Vai, Mar!
(p.24)
Estou agora em um Hotel que se chama Miramar.
Fica de frente para o Mar, La Mar!
O vento dando mais para os mares de espanhas e portugais
Levando à Europa antiga. La Mar!
(p.33)
Eu sou o Rei do vinho!
O Mar grita por mim,
Um canto como ecos de oceano.
Quando era criança, em Currais Novos, na casa da Rua 16 de julho,
Brincava de viajar pelo mundo.
(p.41)
O Sol é um olho de ouro
Detrás de uma nuvem negra,
Neste Mar Negro
De escuro vinho.
(p.74)
Oh! Ninguém queira
Saber o quanto de sonhos
Pode ter passado pela minha mente
(p.89)

terça-feira, 15 de julho de 2008


Madonna,
no livro-álbum Sex (1992),
fotografada por Steven Meisel


Veja
outras fotos do livro no blogue do
Poema/Processo


BALAIO PORRETA 1986
n° 2369
Natal, 15 de julho de 2008


O lugar vazio deixado pelo cristianismo nas almas modernas não foi ocupado pela filosofia, mas pelas superstições mais grosseiras. Nosso erotismo é uma técnica, não uma arte ou uma paixão.
(Octavio Paz. O labirinto da solidão, 1978)


DIVAGAÇÕES & PROVOCAÇÕES

Sabe-se que a fronteira entre o erotismo e a pornografia é bastante tênue. Um filme como O último tango em Paris (Bertolucci, 1972), por exemplo, parece-me "docemente pornográfico", como diria o poeta, isto é, sensualmente erótico. Já um filme como Os dez mandamentos (De Mille, 1959) contém elementos pornográficos. Em maior ou menor grau. Uma obra com valores erotizáveis (cf. Bertolucci, Oshima, Manara, Picasso) aponta para duas possibilidades formais: por um lado, pode ser pornográfica, quando má realizada; por outro lado, pode ser amorosamente erótica, quando bem realizada (vide os autores citados). Decerto, em termos de comportamento humano - um terreno sempre difícil de ser explorado no campo das psicologias sociais -, a pedofilia (para que fiquemos num exemplo tristemente conhecido) não passa do mais puro desvio pornográfico. Como pornográfica é a fome. É a miséria social. É a impunidade. É a violência urbana. Pornográfico é o preconceito. É o racismo. É a ditadura da mediocridade. São os fascismos. São os comportamentos amorais de muitos e muitos políticos.

Sempre fui a favor do saber militante, e não do saber que se esgota nos gabinetes refrigerados da incompetência subliterária. O saber teoricista não me interessa, nunca me interessou, assim como não me interessa a direitice mental, refúgio dos frustrados de ontem e de hoje. E de sempre. Outro é o lugar do verdadeiro intelectual. E o que é um "verdadeiro intelectual"? De saída, quem pratica a erudição pela erudição, isto é, a erudição burra, não passa de um "pobre" intelectual sem eira nem beira. A rigor, quem se vale apenas de "leituras inertes" (cf. Bachelard), sem criatividade e/ou sentido produtivo, não merece ser chamado de intelectual em sua plenitude crítica. Intelectual, salvo engano, é aquele que faz da militância intelectual uma prática substancialmente concreta de vida a partir do real, do social e das diferenças culturais - uma prática humanamente concreta de vivências literárias, filosóficas, antropológicas etc.